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quinta-feira, 20 de março de 2008

Líberducação

Início do ano letivo: O que ensinar?

Estamos iniciando mais um ano letivo nas escolas da rede pública e começo com uma pergunta: O que ensinar? A mesma e velha ortodoxia que foi “passada” aos nossos avós, pais e a nós? O sentido da palavra aqui utilizada pode ter dois significados: passada no sentido de ter sido transmitida pelos nossos mestres o conhecido aprendido pelos mesmos e simplesmente assimilado por nós, e também no sentido de ser a ortodoxia escolar algo que pertenceu ao passado, mas que, como diz o poeta “é uma roupa que não nos serve mais”.

A educação sempre foi compreendida como um “privilégio de poucos” e servia apenas para instruir a elite de informações que seriam usadas para a sua vida profissional. Desde a formação da educação brasileira, em meados do século XVI, que a finalidade sempre foi a de privilegiar a elite. Mesmo os catequistas, com toda a sua boa vontade em transmitir aos “bons selvagens” a instrução e o conhecimento erudito europeu, tinham por finalidade “amansar” ainda mais os bárbaros do novo mundo para o domínio colonial dos senhores europeus. E, assim, o ensino no nosso país se desenvolveu, sempre para atender às demandas e necessidades da classe social mais favorecida.

O ensino básico é elemento recente na história da educação no Brasil, dado que o ensino superior público institucionalizado surgiu antes mesmo de serem criadas escolas públicas nos níveis primário e secundário. E mesmo depois de instituído configurou como mero transmissor de conhecimentos científicos por vezes não ligados aos conhecimentos da academia muito menos aos interesses e necessidades do povo em geral. O ensino básico nasceu no Brasil após intensos debates e disputas tanto politicamente quanto das manifestações populares de desejo em ter uma educação que a priorizasse. Como sabemos a população não foi prioridade nesse primeiro momento.

Lembro que em várias circunstâncias escuto uma ou outra pessoa mencionar que a escola antigamente era muito melhor e que a clientela era bem mais educada e gostava de estudar. Acho graça quando ouço e lembro que nesse mesmo período “áureo” e maravilhoso a educação também era para poucos e o povo, para quem o ensino público deveria ter sido criado, nunca foi considerado ou quando era sofria com discriminações institucionalizadas dentro da escola (quem tem mais de trinta ou quarenta anos pode recordar comigo, quem não se lembra da famosa caixinha escolar?).

Pois bem, a educação desde sua formação teve (ou tem?) a finalidade de manter o status quo na sociedade e para isso o ensino público básico contribuiu (ou contribui?) bastante, transpondo os padrões culturais mais discriminatórios da nossa sociedade para os livros escolares, para os conteúdos e para o cotidiano da convivência escolar. Os programas em grande parte hoje tem o objetivo de promover o conhecimento científico e erudito (embora não explicite). Durante a maior parte da história da educação no Brasil o conhecimento técnico foi tratado como inferior e por vezes até sucateado por alguns governantes considerando-o desnecessário. Aí eu pergunto: desnecessário para quem?

Voltamos à pergunta inicial, que me deixa pensativa até agora: O que devemos ensinar? Nós, professores da rede pública de ensino, o que vamos realizar com nossos(as) estudantes ao longo desse ano letivo que se inicia?

Será que devemos ajudar a manter esse status quo existente desde antes da minha avó e continuarmos a nos lamentar que a clientela do passado é que era boa e que os jovens de hoje em dia não querem nada com a vida e que educação deveria voltar a ser privilégio para vermos se melhora a qualidade? O que fazer?

É inegável que o mundo de hoje não é o mesmo de trinta anos atrás e que a dita modernidade (com todas as suas tecnologias) surge a cada dia com novidades mais “modernas”. Então por que, com toda essa mudança em termos materiais e culturais na nossa sociedade insistimos em manter a ortodoxia e o continuísmo em âmbito escolar?

Alardeou-se na mídia o pequeno número de matrículas efetuadas na rede estadual de ensino e, na mesma semana, o grande número de estudantes sem escola. Além desses dois fatos vivemos e convivemos nas escolas da rede pública com o grande contingente de estudantes que desistem após realizar a matrícula na escola. Não vou aqui analisar todos os contras que algumas práticas realizadas pelo governo ajudam para que esse número seja exorbitante, mas uma realidade concreta é quanto mais distante a escola for da residência do estudante mais fácil será a desistência do mesmo em relação a estudar (e isso é diretamente proporcional).

Francisco Campos (primeiro ministro da Educação e Saúde Pública, pós revolução de 1930) já afirmava: “A finalidade exclusiva do ensino secundário não há de ser a matrícula nos cursos superiores; o seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamento que o habilitem a viver por si e tomar, em qualquer situação, as decisões mais convenientes e mais seguras”. Isso foi escrito na reforma do ensino secundário, em 1932. Como estamos em um período no qual a educação básica não compreende apenas o ensino secundário, diria que a frase encontra-se desatualizada. Mas não desusada, pelo teor incontestavelmente atual que ela possui quanto ao sentido da finalidade última da escola pública em nosso país.

As nossas crianças e jovens possuem inúmeras outras perspectivas de futuro que não simplesmente serem aprovadas no vestibular e saberem estar com a vida garantida, com emprego certo e grandes possibilidades de ascensão social. Sabemos que faculdade nos dias de hoje não confere emprego certo a ninguém, que nem quem tem o famoso ‘bom berço’ tem a vida garantida e que ascensão social é coisa para poucos, muito poucos mesmo. Então, por que continuarmos com a velha ortodoxia de ensinar o que apenas poucos vão precisar para se desenvolver? Não estou aqui querendo afirmar que nossos estudantes não têm a mínima condição de cursar uma faculdade ou de se tornarem doutores um dia. Pelo contrário, gostaria que todos na escola desenvolvessem o gosto pela leitura e se tornassem doutores no exercício da cidadania porque é isso que vai fazer com que desenvolvamos e modifiquemos o modelo econômico e social de exclusão que aí está. O fato de alguns tornarem-se doutores na titulação vai ser apenas mais uma forma de contribuição para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Devemos construir com nossos estudantes uma perspectiva de futuro melhor para todos. E não vai ser com a velha ortodoxia educacional que ajudaremos na formação desse mundo melhor no qual eu acredito e nós queremos. Então, pergunto: O que ensinar?

Escrito por: Amanda Godin

Professora de História

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