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sábado, 28 de julho de 2007

A Luta de Cada Um

Anayde Beiriz – O Pivô da Revolução de 30

“Muitas atitudes minhas, incompreensíveis aos olhos desses fariseus por aí, vinham do angustioso recalque dos ímpetos de minha alma e da obrigação em que estavam, de dizer pela metade aquilo que eu poderia dizer totalmente”.

Anayde Beiriz nasceu em 1905 em Parayba* do Norte. Não era filha de nenhuma figura influente, apenas de um tipógrafo e de uma dona de casa, no entanto essa menina qualquer virou uma moça que com muito esforço dos pais fez o curso de normalista e aos 17 anos diplomou-se pela Escola Normal da Parayba. Naqueles primeiros anos da década de 1920, ser professora era a única profissão permitida às moças doutrinadas e treinadas ao silêncio, ao recato e à submissão.
Anayde certamente não estaria nessas páginas se ainda quando cursava o normal não tivesse transgredido e rompido com essas regras sociais. A pequena Parayba do Norte, capital do estado, era cidade provinciana, tacanha, preconceituosa e dominada pela política corrupta dos coronéis da República Velha e não combinavam com uma moça que embora sendo aluna laureada de sua turma, foi rejeitada como professora na Escola em que tinha estudado.
Já era de se esperar que ela não seria aceita, pois escandalizava a sociedade retrógrada da época, andava sozinha na rua, chocou a cidade com seus cabelos curtíssimos (a la garçonne), usava pintura, fumava, não queria casar nem ter filhos, andava em saraus recitando e fazendo versos junto aos poetas de seu tempo. Poetisa e escritora dos jornais, lutava pela inserção das mulheres na política. Além de sensual e libertaria era publicamente a favor da autonomia feminina. Essa mulher que pensava por si, não podia ensinar aos filhos da elite atrasada da Parayba, e mais uma vez, chocou a todos indo ensinar à noite, numa colônia de pescadores na Praia de Cabedelo.
O Brasil nessa época fervilhava com a política, o voto-de-cabresto e a violência imposta aos eleitores pelos coronéis donos de terra, o que garantia a vitória dos candidatos à Presidência da República. De 1889 até 1930, só venciam as eleições presidenciais os candidatos de São Paulo pelo Partido Republicano paulista “PRP” ou os candidatos de Minas Gerais pelo “PRM”, (Partido Republicano Mineiro) era o pacto do café-com-leite. Os coronéis se articulavam para com toda sorte de fraudes garantir essas vitórias e ganhar as benesses do Governo Federal após as eleições.
Nas eleições de março de 1930, surge uma nova força política no país, A Aliança Liberal, partido que lançou chapa para concorrer às eleições tendo como presidente Getúlio Vargas (gaúcho) e João Pessoa (o então governador da Parayba) como vice e mesmo sabendo que não venceriam a máquina da corrupção, a Aliança Liberal lançou a chapa e como esperavam, perderam as eleições para o paulista Julio Prestes que estava apoiado pelo pacto café-com-leite, pelas oligarquias estaduais e pelos coronéis do interior.
A Parayba fervia nesse contexto e a professorinha com suas roupas encarnadas, seu andar rebolado e suas idéias avançadas também fervia de paixão no caso de amor livre que vivia com João Dantas (Dantinhas) deputado e advogado, filho da elite dos coronéis paraibanos e adversário de João Pessoa. Embora fossem contrários nas idéias políticas, ele muito tradicionalista, ela muito avançada, a relação entre os dois se mantinha forte tornando-se alvo das fofocas, porém ambos não davam ouvidos e se encontravam no sobrado de Dantinhas, sem temer os olhares.
Perdido nas eleições, João Pessoa buscava provas que comprovassem a fraude que houvera nas urnas causando a derrota da sua chapa e mandou invadir o sobrado de João Dantas. Não encontrando as tais provas, os investigadores se apoderaram das cartas, poemas, diários e fotos eróticas de Dantinhas com Anayde num golpe baixo à privacidade do casal e tentando pegar carona no choque moral que a sociedade imbecilizada tomaria, expõem esse material numa delegacia da capital paraibana.
Sabendo do acontecido, João Dantas com seus brios feridos, procura o Governador João Pessoa e “lava sua honra e de sua companheira” dando três tiros publicamente no Governador João Pessoa que estava na confeitaria Glória (Rua Nova-Recife/PE) no dia 26 de julho de 1930.
João Pessoa morto dramaticamente era tudo o que A Aliança Liberal esperava para apoiado pela convulsão nacional articularem o golpe de tomar a presidência do país e empossar Getúlio Vargas, no acontecimento que se costumou chamar Revolução de 30.
João Dantas foi preso na casa de detenção do Recife e dias depois foi dado como morto por suicídio, o que os historiadores contestam até hoje. Anayde, estigmatizada como a quenga do assassino de João Pessoa, foi expulsa da Parayba, presa em Recife, aos vinte e cinco anos de idade. Não suportando a dor de viver uma época que não acompanhava sua visão, matou-se ingerindo veneno, e foi enterrada como indigente no Cemitério de Santo Amaro (Recife PE), embora sua memória tenha sido renegada durante anos pelos paraibanos e pela própria História do Brasil, hoje é motivo de orgulho para a evolução feminista no país.
Anayde Beiriz vive na História e em cada mulher que faz dos seus pensamentos seu guia, vive contra a maré dos acontecimentos de sua época, mas a favor de sua consciência, assinando sua breve e significativa passagem pelo mundo como uma verdadeira PARAYBA MULHER MACHO.

Escrito por: Kleber Henrique
Professor de História
E-mail: prof_kleber_henrique@hotmail.com

*A palavra Paraíba encontra-se escrita no texto com ‘Y’ porque era escrita dessa forma na época e a capital do estado (PB) chamava-se Parayba do Norte, passando a ser chamada de João Pessoa após esses acontecimentos acima relatados.

Vista De Um Ponto


Mulher responsável pelo lar


É muito comum a mulher acordar cedo, deixar os afazeres domésticos quase em ordem, levar os filhos para a escola e seguir para o trabalho fora do lar. Trabalho este é muito importante para o complemento do orçamento doméstico, compartilhando-o com o companheiro ou, na maioria das vezes, ficando na sua total responsabilidade. Mas, como chegou a essa situação? Vamos lá no passado resgatar um pouco esse contexto.
Desde os tempos mais remotos, era da atribuição da mulher os cuidados das crianças e da casa, enquanto para os homens competiam os serviços da caça e da pesca, ou seja, para estes, atividades fora do lar, trazendo assim todo o sustento, surgindo de fato a divisão de tarefas. Enquanto isto as mulheres estavam impedidas das atividades fora de casa, um papel totalmente limitado.
A mulher não podia trabalhar fora, nem muito menos ganhar dinheiro, só o marido tinha a função exclusiva de ser o mantenedor do lar. No entanto, é com a Revolução Industrial que aos poucos a mulher dá os primeiros passos para fora do lar, trabalhando como mão de obra muito barata. Porém, foi com a 1ª e 2ª Grande Guerra, o momento em que o sexo feminino sentiu a necessidade de seguir em frente. Pois, em virtude das conseqüências – homens mutilados, mortos e número reduzido de homens nas fábricas – deixadas com o final das guerras a mulher assume o papel dos homens no próprio lar e fora de casa. Assim, elas passaram a ocupar o espaço público, enfrentando os julgamentos que surgiam devido a sua ausência fora de casa.
A presença da mulher cada vez mais fora de casa, torna-se uma constante, pois, mostra que a formação da nova sociedade, empurra o homem para o lar e leva a mulher para o serviço público. Claro que isto, como percebemos, é fruto de um sistema excludente e de marginalização. Pois, a mulher no mercado de trabalho recebe bem menos que os homens, muitas vezes exercendo a mesma função. Apesar de que a maioria vem ampliando a sua escolaridade, para assim se manter no mercado e, por sua vez, o homem perde espaço, devido a baixa escolaridade, ou muitas vezes por ter optado por uma carreira profissional que na atualidade não tem o mesmo espaço que antes. Isto nos remete a uma reflexão que nos leva a compreender que pessoas que antes pensavam em exercer determinada função, hoje buscam fazer cursos oportunizando exercê-la, devido a espaços que se ampliam.
Atualmente no Brasil de quatro domicílios domésticos um é chefiado pela mulher, sendo Porto Alegre, a capital do país, líder de mulheres responsáveis pelos lares com 38,2% (IBGE, 2000). Nesta contemporaneidade, percebemos que além de conciliar os afazeres domésticos e cuidar da família a mulher é responsável por uma dupla jornada. Também a nível local a responsabilidade do lar pela mulher é muito perceptível, isto é resultado de vários fatores ocorrendo na sociedade como: necessidade econômica, oportunidades bem como, também alterações demográficas, culturais e sociais.
Com esta necessidade de melhorar a renda familiar, a mulher contemporânea executa novos papéis, tendo em vista a luta pela sua emancipação e inclusão em todos os níveis, assim contribui para uma nova mentalidade no processo de construção social, como protagonista dele fazendo-se necessário uma nova visão de trabalho, de atribuições de homem, de mulher e de família.

Zilma Maria
Professora de Geografia e Presidente do SINSERV
zilma_prof@hotmail.com

Liberducação


Qual a melhor coisa a ser feita?


“A ignorância é o único mal”, como já dizia o velho e grande Sócrates. A ignorância mesmo sendo gritante muitas vezes passa despercebida entre nós. Ela permanece presente, invisível, verdadeira transparente e obscura em nós, no que se refere às crendices e nossos posicionamentos pra vivermos e agirmos no mundo. Vez por outra é que temos uma duvidazinha sobre alguma coisa, mas isso aí já é uma outra história. Manifestar dúvidas é diferente de ser ignorante, de não portar conhecimentos. Acredito que no instante da dúvida descobrimos o quanto somos ignorantes, falhos, supersticiosos e injustos. Na dúvida nos tornamos inimigos de nossas ditas verdades, as quais passam a ser questionadas, por nos mesmos. O medo passa a controlar a situação que possivelmente nos conduzirá a verdade. Todavia, OS NOVOS remédios, roupas, profissões, pessoas, idéias, escolhas, lugares, etc., estimulam o surgimento das sensações de espanto ou admiração em nós, uma vez que, não sabemos se este novo será tão eficiente ou pior como o antigo. O fato é que ninguém vive sua existência inteira em cima do muro. Precisamos nos posicionar. Ninguém é capaz de adorar a dois senhores por muito tempo. Há uma necessidade em nós humanos que é a de confiar nas coisas e nas pessoas, de acreditarmos que as coisas são iguais como as percebemos. Isso nos proporciona segurança, conforto e felicidades. Ser “DE VERDADE” é ou “DE MENTIRA”, causa muitas inquietações no universo da criança, que é extremamente sensível às mentiras dos adultos, até porque as mentiras inventadas pelos adultos são diferentes do “DE MENTIRA” das crianças. A criança não fica triste ou desiludida com o seu faz-de-conta, pois sabe que é a sua criação, são seus sonhos incorporados em galhos de madeira, recortes ou rabiscos em folha de papel ou pedaços de sandálias os quais se transformam em pneus de carrinhos de lata, são os adultos que as decepcionam, as deixam sem vontade de não mais sonhar, voar nas asas da imaginação, por causa da sua grande e tola invenção dos adultos chamada MENTIRA. Nos jovens essa droga (MENTIRA) causa reações menos nocivas se comparadas com a capacidade lúdica das crianças, porém, o contato com essa “substância” provoca o surgimento de seres revoltados, decepcionados e raríssimos revolucionários.
Tenho me perguntado com uma freqüência mais acentuada sobre o perfil de nossos jovens alunos daqui a alguns anos quando tomarem do conhecimento que dissolve o discurso dos infectados pela “SÍNDROME DA PERMANÊNCIA”, dos “CONTRATOS TEMPORÁRIOS DO SILÊNCIO” e do “FALAR ABERRAÇÕES PELAS COSTAS E DAR A VIDA NA SUA FRENTE”. Sem sombra de dúvidas uma dessas correntes irá em breve imperar, mas o que não podemos esquecer é que o número de jovens vítimas desses discursos é muito grande. Isso pode desencadear a longo ou curto prazo um dos maiores confrontos de cunho ideológico da nossa comunidade. É o discurso bem longe das práticas que tornam o indivíduo realmente inserido na sociedade são profissionais que apenas servem, pensam sozinhos, aceitam; não se organizam enquanto classe, não estudam como deveriam, falam mal dos colegas de trabalho e ainda utilizam o discurso de bom pastor.
Se os jovens de nossa comunidade assimilarem a idéia de que ser contraditório, injusto e infiel é a maneira mais eficiente de se chegar a uma determinada função, questiono se é a máquina que estimula essa prática suporte. Em contrapartida surge um novo grupo, sinceramente não sei nem se deveria chamá-los de novo, porque os assaltantes são tão antigos quanto os ricos. Estes, não vivem dos espólios oferecidos em épocas de campanhas eleitorais, nem das migalhas dos projetos federais que mais contribuem com as permanências do que com soluções em definitivo. Realmente, não acreditam mais em discursos, pois já foram discriminados demais por conta de suas roupas, da cor de sua pele, de sua situação econômica e da localização de suas habitações. São sempre os últimos. A verdade é que são frutos da desigualdade social que também existe em nossa região, da falta de compromisso no gerenciamento do dinheiro público que não promove a vivência satisfatória de seus munícipes, culminando em um fluxo quase que constante de assaltos e na saída da cidade de muitos jovens que concluem o Ensino Médio e o Curso Normal Médio em busca de trabalho, como também, a disseminação do capitalismo infectando as pessoas com o vírus do individualismo, da sensação de felicidade a partir da aquisição de bens de consumo, entrelaçada a ausência de estrutura familiar e a crise existencial por falta de amor, identidade própria e falência de conceitos como ética e moral. Dia após dia esse quadro se intensifica, e o que é pior é que estamos criando calos em nossos sentidos. Já não nos compadecemos mais com as dificuldades enfrentadas pelos nossos irmãozinhos, na maioria das vezes até nos alegramos com a sua tristeza. Dizemos até que ele está pagando por alguma coisa que fez nos passado. Ora, se Deus ou sei lá o quê fosse nos castigar por tudo o que fazemos de errado, certamente já haveríamos sido consumidos. A verdade é que existem muitos problemas acontecendo simultaneamente em nosso município e eles precisam ser discutidos e analisados desde sua essência, para entendermos o porquê de tais acontecimentos.
É preciso que um cano estourado quase esvazie o açude, atrapalhe o trânsito, arraste até mesmo o lixo com a força da água para o centro da rua ou então vire um “Piscinão de Ramos”, para que alguém se sinta incomodado, incomode outra pessoa, para só então causar uma polêmica entre os moradores e tomar as providências necessárias. É preciso que os artistas de nossa cidade passem dessa dimensão para o mundo dos mortos para só então receberem cultos, vivas, reverência e a crendice de que eles eram realmente importantes enquanto estiveram vivos. É preciso que um homem considerado doente pelos próprios familiares – precisava de cuidados médicos - atinja pelas costas de forma brutal e traiçoeira um jovem trabalhador, para só então tomarem as providências.
Estaríamos ignorando os fragmentos de verdades que culminam com os fatos? Sendo indolentes em nossas responsabilidades? Será que nossos sentidos estão com tantos calos que nem nos incomodamos com a nossa própria dor? Você ainda pode fazer alguma coisa pela sua cidade? Agora, só resta saber se terá coragem pra dar o primeiro passo...

Escrito por: Daniel Ferreira
Professor de História e especialista em História do Nordeste
E-mail: prof_daniel.al@hotmail.com

Umas Palavras

Jorge G. Borges (Fonoaudiólogo)
Data: 10/07/07
Local: Sua Residência (Recife)

Cuca livre - Como você se sente em ser filho de São Vicente e atualmente viver fora dela?
Jorge Borges - Tenho saudades de São Vicente Férrer. A nossa cidade natal é uma extensão do nosso lar. Funciona como se todos fôssemos uma grande família.
Para mim é motivo de festa quando encontro algum conterrâneo. Infelizmente as oportunidades de vida são escassas e provocam o êxodo. Gostaria de viver em São Vicente e de alguma forma trabalhar pela minha terra, sensibilizar as autoridades da necessidade de preservação de nossas matas, das nossas fontes. São Vicente, apesar de fazer parte do Agreste Setentrional, tem características físicas da zona da Mata, aspecto que vem perdendo a cada ano. Haja vista os calores intensos, típicos da caatinga, os montes cobertos do verde monótono das bananeiras e cana, o assoreamento do açude do Cruzeiro, a fonte de Alimeira que não mais existe, o fio de água do Melo e dezenas de nascentes que desapareceram. Afora, tudo isto a tremenda desigualdade social, a falta de trabalho para a maioria da população, o álcool, a prostituição, a mendicância e outras mazelas sociais.
Cuca livre - Você é uma pessoa que desenvolveu habilidades ligadas à sensibilidade humana, escreve textos, contos e poemas. A que ou a quem você atribui o desenvolvimento dessa sensibilidade?
Jorge Borges - A São Vicente Férrer e ao seu povo. Tive o privilégio de ouvir estórias de Trancoso, cantadores de viola da Rádio Limoeiro, poemas de amor recitados pelo professor Zarthur, literatura de cordel cantadas pelo meu tio Julio Galdino, contos de fadas fantásticos narrados pelas vozes mansas de Tia Nana e Vó Liquinha, histórias bíblicas no salão paroquial com a descrição comovente de fé e cristandade na voz angelical de Dona Naninha; ouvi também os embaladores de coco no meio de feira, como Pedro Ernesto e Zé Preto do Azevém que se esgoelavam chamando as suas ninfas, entre tantos; maravilhei-me com a oratória de dona Beatriz dos Correios, a poesia de Maria de Pio e Marina Borges de Farias e as crônicas de Dr Aluísio. Participei dos grêmios escolares, li os romances de amor da literatura mundial emprestados por dona Eutícia e pela minha querida e estimada professora Dona Conceição Luna. Emocionei-me com o Conde de Monte Cristo, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Menino de Engenho e Olhai os Lírios do Campo. Ainda guardo trechos da Bíblia de cor. Enfim a minha infância e adolescência em São Vicente foram marcadas por aventuras na minha querida terra e nas terras fantásticas do mundo escrito. Seria ingratidão minha não destacar as influências dos Circos, que costumavam passar o ano inteiro em São Vicente e que representavam a liberdade, a vida nômade; o cinema de Antônio Neves e os forrós de Mestre Avelino e Mané de Teté; as brigas de Nana no Engenho Gracioso, a cachaça de Petronila-Pé-de-Bombo, o coelho de Julia que tirava retrato até do padre. Como não despertar sensibilidades convivendo com tanta gente boa cujas vidas dariam um romance épico? Gente que me ensinaram a sorrir como criança e a chorar com adulto. São Vicente Férrer é minha musa e sempre será.
Cuca livre - Conte para nós sua experiência com o teatro?
Jorge Borges - O teatro é a possibilidade de vivenciarmos todas as nossas fantasias; viver em qualquer tempo ou cultura; denunciar injustiças sociais, religiosas e políticas; transformar a literatura e a música em expressões vivas. É o pai de todas as outras expressões artísticas, o mais antigo e por isso a mais louvável. Do teatro nasceu à sociedade: o homem primitivo de certo ao dançar ao redor de uma fogueira olhou o céu, imitou a natureza, criou os seus deuses, organizou os seus grupos, construiu ferramentas, pintou nas paredes de cavernas as suas sagas; fez dos ruídos guturais a fala, a musica, a linguagem. O teatro possibilitou o surgimento das civilizações. E tudo isso nos encanta. É, portanto a historia do teatro que me fascina e me influência o ser no mundo. Gosto de escrever textos que possam ser representados. Isso se deve também a São Vicente Férrer. Acreditava que escrevendo histórias que pudessem ser representadas todo mundo teria acesso a elas, alfabetizados ou não. E o teatro é vivo, logo, convence e comove ao vivo. Meu primeiro texto para o teatro foi A Flor e a Fonte, de Vicente de Carvalho, para o Grêmio do Grupo escola Coronel João Francisco, chamavam drama. Hoje teremos Drama no Colégio. E o texto era mesmo um drama: uma flor havia sido arrancada do ramo e caíra no rio. Ela o implorava, branca de terror, que não a levasse para o mar... e a fonte, sonora e fria com um sussurro zombador por sobre a areia corria, corria levando a flor. Certa feita, no Dia das Mães, teatralizei O Pródigo. Mamãe nos incentivou muito a declamar poemas. Pois para ela, o poema bem declamado criava emoções nos ouvintes. Foi um chororô naquele dia. Era uma tragédia: um homem deixara sua pobre e velha mãe desamparada e fora viver com uma gostosona que o seduzira. Depois, tempos depois, com a testa enfeitada, regressa ao lar e encontra a pobre mãe adormecida na cadeira de balanço... Sabe como é mãe perdão, choros e acalantos... Dona Angelita Pereira com soluços, dona Nininha do Melo com os olhos em córrego... Gosto mais das tragédias do que das comédias. Muito embora escrevo comédias com mais freqüência. Talvez porque já vivemos uma tragédia real. Escrevi vários textos, mas nunca acho que estao terminados. O texto de teatro também é dinâmico. O autor sempre acrescenta ou retira alguma coisa. Somos meio perfeccionistas. Como ator participei de poucas peças. Gosto mais de escrevê-las, assistir e ler peças de teatro. Participei de três grupos: O Liberart, Chão de Vidro e Tucap. Falar de teatro é muito falar...
Cuca livre - Conversando conosco, você lamentou não ter podido estar presente no evento de lançamento do Cuca Livre que tivemos a grande alegria de termos trazido o primeiro espetáculo de teatro profissional para a cidade. Conversando outro dia com um dos atores (Radamés Moura) da peça que trouxemos (A Farsa do Poder) sobre as repercussões da mesma na cidade. Ele fez a seguinte declaração: "o teatro em São Vicente cumpriu com seu papel que é divertir e principalmente despertar a reflexão e provocar o debate". Quais suas expectativas com relação ao desenvolvimento da arte no geral em nossa cidade?
Jorge Borges - São Vicente Férrer tem grandes artistas. Infelizmente sabemos que para quaisquer eventos há necessidade de verbas e patrocínios. Temos áreas favoráveis a qualquer manifestação artística: dança, música, pinturas, teatro, feira literária, recitais, etc. Acredito que faltam o envolvimento e a receptividade da população, entretanto sem a participação dos órgãos públicos fica muito difícil a concretização das artes. Não é necessário um prédio típico para o teatro, outro para danças. São Vicente tem uma acústica fabulosa e prédios públicos para a realização de eventos. É necessária a boa vontade dos administradores em comunhão com a participação popular. Com a democracia em ação em São Vicente Férrer, ela pode destacar-se na cultura Pernambucana posto que em cada cidadão há um artista.
Cuca livre - Durante muitas épocas em nosso país presenciamos a censura às artes de forma institucional e diga-se que esse mecanismo era usado principalmente nos períodos de ditatoriais. Hoje, vivemos o período pós-ditadura militar, a censura institucional acabou, embora ela revive de outras formas. Sabendo que você não é a favor da censura, mas você concorda que deva haver alguma restrição ou moderação à manifestação artística?
Jorge Borges - Sou contra qualquer forma de censura. A expressão artística é livre e é direito constitucional brasileiro, entretanto a liberdade artística deve cumprir suas finalidades, ou seja, divertir, encantar, educar e transformar ações que construam uma convivência social justa e harmônica. O teatro, em particular, tem a obrigação de cumprir a sua finalidade social, divertindo e denunciando os abusos dos diversos poderes que regem uma sociedade. E isto incomoda muitos prepotentes políticos, religiosos e falsos moralistas porque suas máscaras caem quando o homem popular e oprimido reflete sua condição de miséria, descaso e humilhação. Situações tão comuns nos municípios do Brasil.
Cuca livre - Você como teatrólogo e vicentino gostaria de poder assistir a montagem de uma de suas peças aqui? Qual?
Jorge Borges - Não me considero um teatrólogo. Sou um contador de histórias e de causos e que gosta de teatro. Ficaria muito feliz em ter uma peça encenada em São Vicente Férrer. Acredito que a Procissão do Outro Mundo (uma comédia sobre a avareza, dinheiro fácil e abuso de poder) agradaria a muita gente; O Anjo do Juízo Final no Brejo de São Vicente (a historia do padroeiro revivida na nossa terra) possibilitaria o conhecimento da personalidade do santo venerado por nossa gente; Como Amanso minha Sogra? A Morte Não Toca Viola...
Cuca livre - O que mais lhe alegra e o que mais lhe entristece aqui em SVF?
Jorge Borges - Motivos de alegria: rever e abraçar minha família e toda gente que conheço, tomar banho de açude, ver a lua cheia do Alto do Cruzeiro, acompanhar a procissão do Senhor Morto e do Rosário; visitar a Mata do Estado, caminhar no sereno pelas ruas da cidade, dançar um forró na Chã dos Esquecidos, recitar um poema de paz na Igreja e gastar 5 horas da João de Araújo até a Cel Henrique conversando com o povo. Motivos de tristeza: O desemprego, a destruição das matas, o apadrinhamento político, a prostituição e o álcool, a falta de esperanças estampada no olhar e nas ações de muita gente.
Cuca livre - Apresente suas expectativas com relação a nossa cidade:
Jorge Borges - Eu queria ver um dia São Vicente Sem ninguém esmolando pela feira A justiça abraçando a terra inteira E banida para sempre a opressão O respeito, a primeira obrigação Um verão menos quente, Um bom inverno O político corrupto no inferno O lugar merecido pra ladrão.
Tenho esperanças de que um dia São Vicente seja mais feliz. Basta que cada um assuma o compromisso com o bem estar de todos. É quase uma utopia. Mas é uma possibilidade e depende de mim, de você e de cada um de nós. Do contrário, que terra os nossos filhos herdarão de nós? E os filhos dos nossos filhos?
Cuca livre - Antes do nosso bate bola em nossa ultima pergunta, queremos que você usando sua poesia faça uns versos para o cuca livre e seus leitores.
Jorge Borges - (Pausa)
Pra cantar de Cuca Livre a liberdade É fazer da Esperança uma ação É do mundo inteiro ser irmão Hastear a bandeira da Igualdade É pregar o amor, a caridade Cultivar a amizade mais sincera Não fazer do tempo uma espera Das palavras de Cristo ser exemplo Coração de Deus, verdade e templo Pois o bem quando omisso, o mal prospera!!! Viva a Liberdade de Pensamento e de Expressão
Bate-bola
Cuca livre: O mundo?
Jorge Borges: Terra de todos e para todos.
Cuca livre: as pessoas?
Jorge Borges: Devem ter boa vontade.
Cuca livre: uma tristeza?
Jorge Borges: O desemprego.
Cuca livre: uma possibilidade?
Jorge Borges: Justiça para todos
Cuca livre: um gesto?
Jorge Borges: um abraço
Cuca livre: uma palavra?
Jorge Borges: Perdão
Cuca livre: uma frase?
Jorge Borges: Quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve.
Cuca livre: um sonho?
Jorge Borges: São Vicente sabendo a onde quer ir...

Vento e Raiz


Uma Cidade do Interior


Um grupo de pessoas passa a se reunir em um local para conversar ou fazer negócios. Logo fazem suas casas, uma capelinha onde padre começa a celebrar uma missa por mês, e aquele lugar, antes um ponto de encontro para trocas ou bate papo torna-se uma cidade.
Assim começa e aos poucos vai crescendo. Uma família vai se formando, aquela menina da fazenda cresce, aparece um jovem, mais um viajante e namora a menina moça, e quando se ver aquele lugar já tem varias casas de primos, sobrinhos e conhecidos. Como um grande clã.
Embaixo de uma árvore, na zona da mata – Pernambuco, nasce uma cidade do interior, São Vicente Férrer, antes Vila de Manoel Borba. Lugar onde morei, especificamente no sítio Mata Velha, da propriedade de Dona França Leitão.
Na década de 60 a nossa maior alegria era vir a festa que sempre no dia 02 de fevereiro, era a festa da cidade. Todos se reuniam de roupas novas, cada um tinha um dinheirinho que juntara por meses só para esse evento. Chegávamos na cidade logo cedo, trazíamos roupas novas para serem trocadas. À tarde, sempre tinha uma casa que nos acolhia, e de parente, às vezes de muitos amigos que a família Leitão tinha. Trocávamos de roupa e ao cair da tarde caminhávamos para a igreja de onde saía a procissão da santa homenageada, Nossa Senhora do Rosário. No percurso víamos as barraquinhas já com seu vendedores de queijo, rapadura, cachorro quente, ponche (sucos), o parque de diversões sem falar no carrossel do Sr. Né Mendes, na linha de canoas do Sr. Antonio Neves e ainda tinha a roda postada inclinada que era a onda. Oh! Que saudades! Saudades que não volta esse tempo de outrora.
Comprávamos uns bombons chamados afinins, que eram uns tubos de papel em formato de funil de todos os tamanhos e continham umas balinhas de açúcar muito gostosas. Além dos balões de gás que raramente chegava em casa e já estourava no caminho. Era só alegria, mas como para toda criança no melhor da festa era hora de ir para casa, 22:00horas tínhamos que partir para o sítio, o qual ficava à dez quilômetros. Subíamos pela Ladeira dos Pregos uma grande elevação levando quase uma hora para concluir aquele percurso. E ouvindo de longe, as músicas de Waldik Soriano (como: querida, por favor, leve essa carta vai dizer pra aquela ingrata...) tocadas nos alto-falantes.
Assim era nossa festa de dois de fevereiro numa cidade do interior até chegar em nossa casa, era uma viagem de três horas andando a pé no escuro ou acompanhado pela lua, que até hoje quando a vejo alta e brilhante, lembro dos doces momentos que vivi na minha cidade; Cidade do Interior.
Texto escrito por: Pastor Fernando Maior da Igreja Assembléia de Deus – Nilópolis – RJ

Um Desenho


Os Filhos deste Solo



Resgatar um pouco da história de alguém ou mesmo de acontecimentos de uma época é algo sempre incompleto, pois, jamais se conseguirá reunir completamente as peças que formarão uma visão total; consegue-se apenas juntar pedaços significados e reveladores. Falar de alguém e de sua vida é ainda mais difícil, pois a essência maior de cada ser é singular e ímpar. Nas linhas a seguir falaremos de uma poetisa da terra que em vida deixou um grande acervo de sua obra, pois a poesia era sua parceira maior nos registros do que vivia. Poderíamos intitular a página: “SIMPLESMENTE MARIA”, mas decidimos nomeá-la com o nome dado pelo povo,pois acredito que a mesma acharia melhor esse titulo o qual vem abaixo e os leitores logo saberão o porquê.


Simplesmente Maria de Pio



“O coração pertence a nós, pode chorar;
o rosto pertence aos outros, deve sorrir”.




Maria das Mercês de Andrade Campos, nasceu em 24 de junho de 1923, no pequeno sobrado de nº. 19 da rua Coronel Henrique em São Vicente Férrer onde foi viveu a vida inteira.
Filha de Manoel Gomes de Andrade, homem branco de olhos azuis, conhecido como Sr. Mané Tomé ou Sr. Né, que era sapateiro e nas horas vagas gostava de fumar e dedilhar seu violão, e dona Gina Gomes de Andrade, que era cabocla com feições índias, dona de casa e tinha uma historia de vida interessante. Em passagem como retirantes para a Paraíba Gina adoeceu, seus pais a deixaram aos cuidados de um casal e nunca mais voltaram para buscá-la. O nome Gina foi inventado pra ela. A criança cresceu e era muito mal tratada pela família que a criou, até que Sr. Né ao vê-la, ainda menina com as mãos queimadas por ferro, com compaixão a pediu em casamento ainda menina e lhe deu esse nome, daí nasceu o amor deles e nasceram filhos, entre eles Maria das mercês ou SIMPLESMENTE MARIA.
Maria era uma menina religiosa e desde pequena, mostrava-se sensível às artes, participando de pastoris e pequenos dramas de teatro infantil e cantava bem acompanhada pelo violão de Sr. Né, seu pai. Quando aprendeu a escrever com dona Filomena (a única professora da vila Manoel Borba), que ensinava o bê-á-bá entre muito autoritarismo e tragos de cachaça, Maria começou a escrever versos em estilo de trovas.
Aos 15 anos, numa quinta-feira santa, (06 de abril de 1938) como a mesma registrou, conheceu o grande amor de sua vida Pio Ferreira Campos, homem franzino, negro, pobre e músico da banda local. Apaixonaram-se mutuamente e sofreram juntos a repressão de Sr. Né que era extremamente racista. Pio, decepcionado, entrega-se a boemia o que agrava ainda mais a situação do casal, como ele deixa bem claro num poema que escreveu para Maria intitulado “O que sou” eis um trecho:

“Sou a tristeza de uma despedida
Sou lágrima doida que no chão rolou
Sou a ave errante que não tem guarida
Sou o passado que o tempo tragou”.

E ainda em carta à sua amada em 1949, escreve:

“Maria nome sublime e elevado
Como te exaltas na imensidão dos astros
Nos meus olhos sempre nevoados
Brilhas e iluminas meus pobres passos”.

Passados 14 anos de sofrimento dos dois, sr. Né muda de idéia, depois que Maria é acometida de febre tifo e quando em pré-coma chama pelo nome de Pio. Sr. Né faz promessa e quando Maria se recuperou da doença, seu casamento foi permitido.
Casaram-se em 27 de setembro de 1952 e passam a morar numa modesta casa. Maria passou a exercer a profissão de professora primária e o esposo trabalhava como escrivão da polícia. Dessa união, nasceram 4 filhos: Teresa (que morreu logo ao nascer), José Petrônio, Maria das Graças e Miriam.
A vida conjugal do casal era bastante simples e modesta, mas cheia de muito amor mútuo. A coleção de versos de Maria deixa claro que durante toda a união o casal nunca se desentendeu.
A partir de 1964, começam alguns tormentos quando sr. Pio acometido por fortes crises de asmas. O que vai ser causa de sua morte em 03 de outubro de 1971 nos braços da esposa, quando na sacada de sua casa buscava desesperadamente o ar.
Após a morte de Pio, a obra poética de Maria em grande parte se dedica a tratar sobre a dor da perda, como nos versos:

“Oh! Pio quem me dera
Que nesse mesmo momento
De dor e de treva
A minh’alma unisse a tua
E fossemos para a solidão da terra

E que em nossa sepultura
Fosse escrito os dizeres de nossa sorte
Pio e Maria unidos
Na vida e na morte”.

E começa a travar uma luta: criar e principalmente educar os filhos, sozinha. Porém não mediu distâncias, chegando mesmo a escrever em meados da década de 70 (ditadura militar) ao então presidente da república Emílio Garrastazu Médici, pedindo bolsas de estudo para custear o curso de segundo grau dos filhos, visto que na época o mesmo era particular.
Em sua obra encontram-se poemas belíssimos referente a sua terra natal, os festejos do rosário, os costumes e tradições de sua época. Como no poema “A Menina do Sobrado” que deixa bem claro o retrato de sua infância e é para quem o ler uma volta à São Vicente Férrer da década de 30.
Em 20 de novembro de 1997, escreve o último poema “Tacianinho”, dedicando ao seu bisneto. Um ano depois, Dona Maria nos deixa.
Até hoje, suas filhas conservam com muito zelo toda a sua obra: versos, poesias, cartas, diários, o vestido de noiva e outros trabalhos manuais, prova de sua habilidade com o bordado.
É uma pena essa obra não ser editada e servir para consulta pública, reduzindo o acesso apenas a quem mantém certa proximidade com a família. Isso serve de apelo aos órgãos responsáveis pela educação e cultura de nosso município, que voltem os olhares não só para a obra de dona Maria, mas também, para outros conterrâneos que contribuíram com a produção artística e literária.
Terminamos com um trecho de um dos seus muitos poemas dedicados a São Vicente Férrer:

“Como não amar-te São Vicente
Não carregar-te em meu coração
Tu que és o horizonte da minha vida
O sustentáculo de quem nasce nesse torrão
Que todo filho dessa terra
Saiba valorizar-te
E nas tuas sombras mais tarde
Possa como eu testemunhar sua saudade”.

(Agradecemos as nossas amigas Graça Campos e Miriam Campos que carinhosamente nos disponibilizaram o acesso ao vasto tesouro da obra de seus pais).
Foto: 1955 (a esquerda para direita: Pio Ferreira, Petrônio, Maria das Mercês)
Escrito por: Kleber Henrique.
Professor de História

Eu no Tempo

Resistência ao Silêncio


Eu no tempo! É uma coluna onde revivemos letras de canções e poemas de grandes escritores brasileiros, resumindo, é a coluna de musica e poesia. Na 1ª edição do jornal falamos e refletimos em letras dos grandes compositores como Renato, Cazuza e Frejat. Nessa 2ª edição convido você leitor a fazer uma viagem na História, relembrando canções que marcaram uma época.

Pra começarmos essa viagem vamos até “A Era Vargas” período que Getúlio Vargas governou o Brasil entre 1930 a 1945 e 1951 a 1954. Getúlio Vargas fez um governo provisório de 4 anos (1930-1934) com a constituição do país aprovada onde na mesma continha um artigo que servia de barganha e definia que o primeiro presidente depois da nova constituição, deveria ser eleito pelo Congresso Nacional. que estava em suas mãos. Após eleito em 1935 acontece a Intentona Comunista (tentativa do PCB fazer a revolução socialista no Brasil), o que vai servir de desculpa para Getúlio decretar o Golpe de Estado que ficou conhecido como Estado Novo. A partir de então, o Brasil passa a viver sob um forte centralismo e autoritarismo que se caracterizará por uma forte censura nos meios de comunicação, direcionada pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Esse período de centralismo nas comunicações onde só eram feitas apologias à figura de Vargas foi o elemento essencial para lhe dar uma aura de mito que perdura até hoje. Depois de uma trajetória política de 19 anos no poder, Vargas se suicida adiando por 10 anos o Golpe que os Militares já articulavam. Em meados desses 10 anos o Brasil vivia ainda sob a sombra política do “pai dos pobres”, mas foi nesse período que o país vivenciou um grande avanço democrático e intelectual.

O país vivenciava as inovações e interpretações do cinema novo de Gláuber Rocha, em que denunciava e abalava o país mostrando a todos sem cautela as questões sociais que o Nordeste passava. Daí por diante cada vez mais o Brasil crescia democraticamente. O Nordeste sendo cada vez mais desvalorizado e esquecido, levava artistas como Luiz Gonzaga a cantar em seus versos os problemas sociais que tanto penalizava o povo nordestino, as lutas de Francisco Julião nas Ligas Camponesas e os Movimentos Sindicais e Estudantis. O Brasil estava completamente efervescente com movimentos artísticos e sociais que não agradavam em nada a elite e os Militares brasileiros os quais em meio a Guerra Fria temiam que o Brasil tendesse ao bloco socialista e essa elite viesse perder seus privilégios, fazendo com que os Militares em 1 de abril de 1964 tomassem o poder através de um golpe.

Então, durante o governo de Arthur da Costa e Silva o país, conheceu o mais cruel de seus Atos Institucionais: O Ato Institucional nº 05 ou simplesmente AI-5 que, entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968. Tal ato foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira, onde decretava no artigo 5º que: A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa simultaneamente em:

I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II – suspensão do direito de votar e ser votado nas eleições sindicais;

III – proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV – Aplicação, quando necessário, das seguintes medidas de segurança:

-liberdade vigiada;
-proibição de freqüentar determinados lugares;
-domicílio determinado.

Após vigorado, o AI-5, o país passou por diversas censuras impostas pelos militares, proibindo qualquer tipo de expressão artística, mas muitos resistiam usando-se de artifícios como mensagens subliminares ou de duplo sentido em suas letras. Artistas vinculados à produção musical como “Chico Buarque de Hollanda”, “Caetano Veloso”, “Geraldo Vandré”, entre outros encontravam através da música forma de denunciar e alertar para os mais atentos, as barbáries impostas, compondo as conhecidas “Canções de Resistência”: “Apesar de Você”, “Pra não dizer que não falei das flores”, “Sonho impossível”, entre outras tantas. Destaco neste texto “Cálice” uma música de Chico que é marcada por uma história bem interessante: Em uma quinta-feira santa Chico em um encontro etílico com amigos refletia sobre a censura no Brasil e lembrando-se de Cristo na passagem bíblica em Marcos 26. 39 onde é retratada uma oração em que Cristo na agonia pede para que o Pai afaste dele o Cálice do sofrimento, pensando nisso Chico compôs a canção:

Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Ese silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a proca já não anda
De muito suada a faca já não corta
Como é difícilo, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontgade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

O intuito maior de Chico era que quando a canção fosse cantada, o refrão: “... pai, afasta de mim esse cálice soasse como cale-se do verbo calar. A canção trás em sua letra além desse duplo sentido, outras inúmeras mensagens que identificam uma época, e seus problemas políticos, econômicos, sociais e culturais. A mensagem dessa música até hoje nos traz reflexões, sobre atitudes que perduram num sistema onde se diz que temos liberdade de expressão,porém essa liberdade é colocada em xeque muitas vezes, quando a mesma não segue a visão de quem domina. Hoje, tenta-se fazer a censura usando o discurso da moral e dos bons costumes burgueses. E pensamos:

“... Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito... Tanta mentira tanta, força bruta...”.

De uma coisa estou certo, enquanto houver atos que subtendam o calar, jamais se chegará ao menos próximo de uma democracia ou de justiça social. Por isso dedico este texto a todos aqueles que verdadeiramente lutaram e resistiram numa época de opressão por um país mais digno e que nunca tiveram seu valor reconhecido como também a todos que hoje não traem seus princípios, nem se servem das ocasiões.

Escrito por: Josias Albino

Cidadão brasileiro e mais um Cuca Livre (rssrsr)

E-mail: josiasbad@hotmail.com

Brasil Mostra Tua Cara

A Era das farsas

Analisando a história da humanidade, é possível perceber claramente que ao surgir as diferenças de riquezas nos grupos humanos e, portanto as diferenças de classe, entramos numa fase que perdura até a atualidade e, eu particularmente, denomino de Era das farsas.

Desde quando saímos da pré-história e entramos no que se costumou chamar de civilização, onde sua característica maior é a diferença de classes sociais, ou melhor, dominantes e dominados, interessante apenas para quem está por cima e começou a ditar as regras do jogo social, fomos submetidos a viver dentro dos limites da farsa.

As classes dominantes ao longo da história foram extremamente capazes e habilidosas em criar mecanismos de alienação a fim de induzir cada ser explorado a usar um cabresto, o qual dita as direções sem que ele mesmo perceba.

Um dos mitos mais bem construídos e até hoje defendido em nossa sociedade pela escola, pela família e principalmente pelos discursos de pulmão cheio dos políticos é a grande farsa da democracia. Escuta-se constantemente: “vivemos num país democrático”, “a democracia é o melhor modelo”, “somos uma democracia” e por aí vai o rosário dessas balelas. Sem falar que muitas vezes esse “valioso regime” é imposto até pela força das armas, os EUA que o diga.

Vamos ao conceito de democracia para como diz o sábio matuto “começar do começo”. O conceito de democracia surgiu na Grécia Antiga, e etimologicamente provém de dois termos: demos = povo e krat = força ou poder, portanto, poder do povo. Não existiria forma de governo mais bonita e mais perfeita se não fosse mais uma farsa, mas vamos em frente. A premissa maior da democracia é o cidadão escolher livremente seus representantes para delegá-los o poder de governar em favor da maioria. Agora vem a pergunta que não quer calar: como é possível ser livre onde existe desigualdade? Onde uns tem muito (esses é quem geralmente detém nas mãos o poder) e outros que nada tendo servem como pelegos e massa de manobra.

A necessidade dos fatores básicos para a sobrevivência é justamente o ponto de barganha para a manutenção dessa situação de opressão. O poder econômico suplantando o poder de escolha.

Em nosso país, desde a implantação, ou melhor, a imposição do sistema republicano (1889) até hoje, o discurso dos apologistas da democracia não mudou muito, o povo e a liberdade são seus pilares sustentadores, mas a grande verdade é que a intenção maior é querer o apoio do povo e não lutar pelos direitos do povo, governar em nome do povo, mas contra ele e sua liberdade.

Saber que se governa contra o povo é a coisa mais fácil de se constatar no real, basta olharmos como é que anda a realização das necessidades básicas ao homem como a saúde e a educação, além do direito sagrado à livre expressão do pensamento. Só se escuta as mentiras bárbaras como “a saúde e a educação estão em pleno desenvolvimento”. Basta uma pergunta para ser respondida com o exemplo: Quantos representantes do povo ou seus filhos se servem da educação e saúde públicas? E os atentados à liberdade de expressão é que diga que lascou, basta olhar nossa história mal contada no correr dos seus 507 anos após a invasão e ocupação do território. Só na fase da republica sofremos duas ditaduras cruentas, O Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985) onde falar, expor e lutar por direitos era condição básica para justificar até legalmente, a perseguição, a tortura física e psicológica, o degredo e a morte. É, nossa elite, cada vez que se sente ameaçada em perder os seus privilégios mostra que por trás da palma da mão de sua “democracia” existe um cacetete.

É muito comum nos pequenos grotões desse país, vermos às claras, as tentativas de amputar ou aniquilar ações comprometidas com a libertação e o desmascaramento dessas farsas. Usam-se dos meios mais vis de perseguição na tentativa de destruir a dignidade humana. Lênin em sua obra “O Estado e a Revolução”, descreve muito bem isso: “os grandes revolucionários foram sempre perseguidos durante a vida; a sua doutrina foi sempre alvo do ódio mais feroz, das mais furiosas campanhas de mentiras e difamações por parte das classes dominantes. Mas, depois da sua morte, tenta-se convertê-los em ídolos inofensivos, canonizá-los por assim dizer, cercar seu nome de uma auréola de glória, para “consolo” das classes oprimidas e para seu ludibrio, enquanto se castra a substância do seu ensinamento revolucionário, a essência revolucionária da doutrina. Exalta-se e coloca-se em primeiro plano o que é aceitável à burguesia”.

Contudo, eu só queria deixar claro uma coisa: a história não é inerte, nós é quem a construímos e temos o dever de fazê-la melhor. Acredito que o primeiro passo é não contribuirmos mais com as farsas que nos são impostas: se me denomino cristão e não luto por justiça e igualdade, isso é uma farsa. Se sou a favor da democracia e me deixo ser castrado nos direitos, isso é outra farsa. Se tenho conhecimento e me omito a ajudar meu semelhante a ver o mundo por outros ângulos, me comportando como um verdadeiro burro carregado de livros, isso também é outra farsa. O mundo é real e seus problemas são reais, mas a realidade é mutável e depende só de cada um de nós.

Escrito por: Kleber Henrique

Professor de História

E-mail: prof_kleber_henrique@hotmail.com

P.S:. Dedico esse texto à todos que durante a vida lutaram pela democracia apesar dos percalços, à Companhia LIONARTE que com “A Farsa do Poder” vem há muitos anos ajudando a desmascarar mitos e artimanhas enraizadas na política brasileira, ao camarada Josias Albino por sua firmeza e resistência e a todos os leitores.

Vida e Arte: Arte do Povo

Nordestinos ou Nordestinados?

Comumente somos rotulados pelo termo Nordestino, e é bem interessante percebermos que este termo traz em si toda uma carga de identidade cultural e não só uma identificação regional, tendo em vista que ninguém da região Sudeste do país é caracterizado como sudestino, ou do Centro-Oeste como centroestino. Esse rótulo na grande maioria das vezes tem servido como aporte gerador de inúmeros preconceitos, principalmente para quem migra para a região Sul do Brasil (a mais desenvolvida economicamente).

A imagem que o Brasil tem do Nordeste é de uma região seca, inóspita, atrasada, o que não deixa de existir, embora isso não seja uma totalidade, o Nordeste não é só sertão.

A identidade regional nordestina nem sempre existiu, ela surgiu historicamente há menos de século e foi criada e elaborada pela elite desse espaço (o Nordeste).

Em 1924, um grupo de intelectuais e líderes políticos encabeçados por Gilberto Freyre, entre outros como Odilon Nestor, Ulisses Pernambucano, Pedro Paranhos e Luiz Cedro, fundaram, no Recife, o Centro Regionalista do Nordeste com o objetivo de promover o sentimento de unidade do Nordeste. Esse movimento visava dar ao Nordeste uma identidade cultural, torná-lo mais que um simples recorte geográfico. A partir de então surgirá um verdadeiro movimento literário onde essa imagem nordestina será apresentada na obras de escritores, ditos regionalistas como José Lins do Rego, José Américo de Almeida, João Cabral de Melo Neto entre outros.

O movimento contribuiu para que as elites econômicas dos estados que compõe a região, em processo de decadência perante o Sul do país, se articulassem politicamente no Congresso Nacional a fim de conquistar recursos e benesses para suas áreas de atuação e benefícios financeiros para seu interesses particulares.

Os políticos nordestinos ao servirem de base para os governos federais na garantia do domínio de votos, conseguiram arrancar do mesmo, investimentos e criação de órgãos públicos que serviram e muito à especulações. Como o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) no governo do presidente Arthur Bernardes e o IAA (Instituto do Álcool e do Açúcar) durante a Era Vargas, e a SUDENE (Superintendência Para o Desenvolvimento do Nordeste) durante o governo de Juscelino Kubitschek.

Para o homem do Nordeste foi criada também uma identidade: A do ser abandonado pelo Estado, pela desatenção do homem do litoral, pobre, porém honrado. Vão ser explorados traços como a coragem, a valentia e principalmente a virilidade. O nordestino vai ser apresentado nos jornais, nas músicas, nos discursos parlamentares, nas obras literárias e poéticas como o “cabra da peste” ou “cabra macho”. Essa identidade servirá para a elite política explorá-la e conseguir sensibilizar o poder federal a fim de investir na região, só que, no espaço dos projetos saírem do papel para a prática, muitos bolsos, fazendas e latifúndios é que são beneficiados.

Essa identidade Nordestina imposta é baseada no masculino, uma identidade de gênero: “ser nordestino é ser macho”, até as mulheres quando apresentadas na literatura são masculinizadas como “Luzia-homem” e “Maria Moura”. Esta ênfase na masculinidade parece ser uma forma de compensar a crescente impotência econômica dessa elite que a criou.

Nas grandes obras literárias são bastante presentes as “figuras exemplares” do ser masculino, como o Coronel, o Jagunço, e Cangaceiro, como se coronelismo e jagunços particulares fossem fenômenos sociais que só existiram aqui. Isso é bem comum nas obras de Dias Gomes, Jorge Amado, Rachel de Queiroz entre outros.

A identidade Nordestina é dolorosa para quem migra para o Sul e sofre preconceitos e estereótipos como “brejeiro”, “sertanejo”, “baiano” e “paraíba”. É evidente que esta identificação se apóia em uma realidade bem desigual entre o feminino e o masculino e define formas bem arbitrárias de comportamento, ditando como devem ser e se comportar homens e mulheres.

Alimentar o mito do “cabra macho” é contribuir para a permanência, inclusive, da violência contra as mulheres e, ao mesmo tempo, alimentar um modelo de masculinidade que tenta manter um tipo de relação de desigualdade e dominação. Era muito mais humana e racional uma identidade baseada na ética, na justiça, na liberdade e honestidade do que só na força.

Usando as palavras do Professor e Historiador Durval Muniz: “este modelo vitima os próprios homens, já que os coloca em constantes situações de risco, e deles exige renúncias afetivas e emocionais importantes, como a do exercício da paternidade e da expressão de sentimentos e emoções. Em outras palavras, a macheza Nordestina faz os homens infelizes”.

Escrito por: Direção Cuca Livre

www.jornalcucalivre.blogspot.com

obs:. Baseamos o fio condutor de construção desse artigo na obra do historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., que entre outras obras valiosas sobre a identidade Nordestina escreveu o livro que indicamos para leitura: Nordestino: uma invenção do “falo” – uma história do gênero masculino (Nordeste, 1920-1940) Maceió: Catavento, 2003.