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segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Os Filhos Deste Solo


Reunião do Cuca no quarto-escritório do camarada Dan, permutamos autoria de artigos, fizemos contas e unanimemente decidiram que para outubro eu continuaria com essa coluna – beleza! Semana depois, debate avançado com os camaradas no escritório-mesa-de-bar, unanimemente foi votado pelos companheiros que o biografado do mês seria o Sr. Antonio Campina (meu avô). Relutei, argumentando que era um empreitada difícil, poderia parecer tendencioso. Debate travado e um enfático: você vai fazer! Voto vencido! O jeito foi pegar a caneta e descrever o velho. Pra começar, vasculhar minha memória e selecionar umas das tantas máximas que presenciei. Lembrei essa:

- Primeiros anos do milênio, eu fazia faculdade em Olinda e vim passar uma semana-santa em casa, descendo do ônibus 1002, entro na casa de meu avó que estava cheia de primos, entre minha bagagem, livros que deixei na mesa e fui pedir as bênçãos e falar com o povo. O velho olhou minha camisa vermelha com a estampa da foice e do martelo, nada disse, só as boas vindas e o costumeiro: vá comer alguma coisa meu filho. Enquanto acendia um cigarro e ria com o pessoal lembrando as histórias, vô dava uma olhada discreta nos livros que deixei na mesa da outra sala (O Capital de Marx, Biografias de Che e Fidel Castro entre outros). Momentos depois, numa hora também discreta, num covico da varanda, vô perguntou: “oxente meu filho, virou comunista no Recife? – não vô isso é trabalho da faculdade. – Há sim tenha cuidado com essas coisas!”.

Ninguém em casa sabia que eu vivia metido nos movimentos estudantis da faculdade e não queria preocupar ninguém. Anos depois, entro na casa do velho e ele assistindo o jornal, mensalão vem, mensalão vai, e ele: “isso é uma cachorrada”, dias depois na cozinha: “- meu filho, o negocio ta feio! Esse presidente não termina o mandato, a gente que se cuide! Você é professor, gosta de política, dê fim a qualquer coisa que comprometa, já vi muita coisa nesse mundo”. Em casa, eu ri lembrando e percebi que era só uma soma de sua experiência e de seu cuidado de avô.


Antonio Henrique: Memória e diplomacia vastas como uma campina


Antonio Henrique da Silva, nasceu no Sítio Quatis em 16 de setembro de 1913, filho de Manoel Henrique e Celeste Maria da Conceição. Família simples e modesta, negros e trabalhadores do campo. O avô paterno fora capitão do mato e caçava escravos fugidos. Ao completar um ano e meio de vida, seu pai deixou a casa, dizendo ir buscar trabalho na Paraíba, voltando depois, se desentende com a mulher que o expulsa de casa e decide criar os filhos sozinha. Viveu a infância ajudando a criar as irmãs mais novas e trabalhando na roça com dona Celeste, mulher valente e “brava como uma cascavel”, como ele mesmo colocou. A bravura de sua mãe é famosa por todos que a conheceram, porém era muito respeitada e temida pelos mundos que andava.

Ainda na primeira infância, sua mãe entra no segundo casamento com um homem chamado Antonio Campina por causa do mesmo tê-lo ajudado a criar os filhos, os conhecidos atribuíram o sobrenome do padrasto ao menino. Entre cuidar da roça, dos animais e das irmãs, estudou a cartilha do ABC com a professora D. Ramira que lecionava a noite, à luz do candeeiro aos meninos da Chã do Esquecido. Aos 17 anos, já com domínio da leitura e escrita, a Chã era pequeno para ele, desceu para o brejo de São Vicente para trabalhar. Conseguiu emprego, inicialmente era vendedor de pães e percorria a pequena vila com balaio de pães na cabeça até que depois recebeu emprego do Coronel Nestor Gomes de Moura (Chefe político local). Ganhou a confiança do Coronel, passou a dirigir carros para transportar mercadorias, sua astúcia e curiosidade o fez percorrer caminhos até então desconhecidos em outros estados.

A vila crescia, em 1930, como outros munícipes, ajudou na grande obra da construção da torre da matriz e relata a festa da conclusão, onde todos depositaram lembranças como cartas, jóias e objetos numa urna enterrada na base da torre. Relata o feitio da pequena vila em detalhes, como era cada rua, cada festa, cada grande fato. Na política, ri quando fala do voto de cabresto, onde o indivíduo assinava o livro de atas às vistas dos mesários, explicitando o voto. As campanhas eleitorais com a jagunçada armada pelas ruas e os chefes políticos também armados até os dentes. Conheceu cangaceiros famosos como o lendário Antonio Silvino e o descreve como um homem alto, branco e cheio de enfeites do chapéu até os pés. Desse cangaceiro, tem lembrança de um fato especial: conta que em certa feita, Antonio Silvino em passagem para a Paraíba, antes mesmo de pisar aqui no Brejo, recebeu resistência do fazendeiro de café Elias Camelo, Dono da fazenda Rosário (Atual Rua Alcedos Marrocos) que era a via de entrada para a Vila de São Vicente. O fazendeiro achava um desacato e uma desmoralização ao povo da cidade, um cangaceiro passar impune aos olhos de todos e armou ao longo de suas terras ao redor da estrada, tocaias de jagunços armados de rifles para descer chumbo no bando. As autoridade enlouqueceram! Tentaram convencer seu Elias Camelo a desistir, não teve acordo, nem mesmo o Major Filomeno de Moura (Trajando sua túnica de Major) e se dizendo amigo do cangaceiro, fez o homem desistir. A solução foi o próprio Major escoltar o bando pelo meio do mato, até chegar na estrada da Paraíba sem passar pela Vila. Ele ressalta, “São Vicente naquele tempo tinha homens de coragem!”.

Ainda em 1930, viu a revolução passar por aqui, tropas ocupando a cidade, coronéis fugindo para fazendas e depois servindo de mangoça e temas de música de carnaval, Coronel Nestor de Moura sendo caçoado pelos revolucionários que diante da sua resistência em aderir ao movimento, foi forçado a amarrar um lenço vermelho no pescoço e teve seu comércio invadido e uma grande peça de pano vermelha hasteada numa vara no teto da loja. Passada a revolução, Getúlio no poder, começaram as brigas aqui: relata ter visto de perto o assassinato do Coronel Henrique de Araújo (chefe da Aliança Liberal da cidade e adversário político de seu Genro Nestor de Moura). O Coronel Henrique fora assassinado pelo próprio neto o qual imaginava que durante uma conversa tensa após a revolução fosse atirar no pai. O resultado foi a cidade perder a autonomia, passando a pertencer a Timbaúba.

Muito jovem, Antonio Henrique gostava de farra e de forró, andava animando os bailes de matutos, tocando sanfona habilidosamente com o grupo de amigos músicos da Chã do Esquecido. Em 1935, casou-se com Maria do Carmo da Silva, mulher trabalhadora “mas braba como uma capota choca”, começou a ser feitor do Engenho Cipó Branco, do Coronel João Francisco e lá ganhou um fole de oito baixos para animar as festas da “Cabroeira do Engenho”.

Trabalhou para muitos engenhos e fazendas como feitor, sua mulher no trabalho da roça. Nos fins de semana, ganhava um bom dinheiro tocando nos forrós, embora tendo que amenizar o ciúme e o gênio forte de sua mulher. Juntou um bom dinheiro e comprou uma caminhonete, virou autônomo, ganhava bem, pois trazia carga para todo comércio local. Conheceu e fez amizades com muitos políticos do estado e de toda região.

Diz que São Vicente naqueles tempos era bem desenvolvida devido a “homens de categoria”, conta da inauguração do cinema falado, que todo mundo duvidava porque só tinha um assim na capital e em Macaparana diziam que era uma farsa, que quem falaria por traz da tela era seu Domingos Ferreira que tocava o sino. Na inauguração, o povo de Macapá foi convocado para vim comprovar se era seu Domingos mesmo por trás do telão ou não.

Na década de 50, lutou pela emancipação da cidade junto a outros vicentinos e no final da década surpreendeu a cidade no âmbito cultural. Conta que em viagem ao Recife, carregando carga, parou como de costume num bar na estrada e escutou um som de forró pé-de-serra. Ao descer do carro, no meio da multidão, foi ver que festa era aquela e realizou um sonho seu, conheceu e conversou com ninguém menos que o Rei do Baião Luiz Gonzaga. Relata a conversa: “desci do carro, me apresentaram ao hôme e ele me deu um abraço e eu disse: - prazer professor! Gonzaga respondeu: - oxente hôme! Professor?! – É, eu também sou sanfoneiro e o sinhô é mestre de todos nós”. A conversa se estendeu, Gonzagão pediu a ele para tocar, mas não deu, por causa da entrega da carga. Por fim, Gonzaga lhe deu um bilhete escrito para entregar ao jovem político Moura Cavalcanti, menino que o negro Antonio viu crescer no Engenho e tinha muito carinho.

No Recife, foi a um show do Rei do Baião no Teatro Santa Isabel e o bilhete que tinha em mãos o fez chegar até o camarim do artista que fez questão de recebê-lo e lá bateram papo e ele cita a emoção que foi ter tocado meia hora com a sanfona do rei, que fez questão de ouvi-lo e elogiá-lo. Nesse encontro travou uma surpresa para o povo vicentino. Meses depois, trouxe a São Vicente, Luiz Gonzaga o Rei do Baião que fez um show no prédio do cinema para uma multidão que tomou a rua toda. Foi inacreditável para o povo.

Aqui na cidade, seu Antonio Campina exerceu cargo de delegado por um tempo (ainda rir com isso) e foi presidente da Cooperativa em dois mandatos. Conta que a Cooperativa era uma beleza para os agricultores, possuía mais de 500 associados, tinha tratores, caminhões e ajudava muito ao pequeno produtor. Entregou a presidência por um desentendimento particular que teve com o senhor João de Moura que disse que a Cooperativa não iria para frente com um negro quase iletrado. Revoltado com o preconceito, entregou a presidência, mas fez questão de passá-la ao homem que o havia destratado. Diz que depois disso, a Cooperativa afundou e lavou sua honra, mas só não acha bom porque o povo é quem sofreu.

Teve quatro filhos, dezenove netos e vinte e quatro bisnetos, está no alto de seus 94 anos, muito lúcido e ativo, não deixa de jogar seu dominó e conversar com os amigos velhos. Gosta de casa cheia com a família e os amigos, é talvez o mais prudente e calmo no meio de sua “raça arengueira”, porém muito festiva e receptiva. Lamenta ver sua cidade carente de condições para a juventude, atualmente com muita marginalidade, sem “homens de pulso e sem amor pela cidade”, mas está vislumbrando e vivendo seus dias modesta e honestamente. Diz ter andado muito pelo mundo, mas não existe terra melhor que a sua.

Quando a gente pergunta: - E aí meu senhor? Sua mãe viveu lúcida até os 103 anos e o senhor chega lá?

- Meu filho, num sei. Deus é quem sabe, mas eu nunca cansei da vida.

P.s.: Ao meu avô, espere que goste.

Foto: Acervo Familiar, Foto de Antonio Henrique e sua esposa Maria do Carmo em fins da década de 40.

Escrito por: Kleber Henrique

E-mail:prof_kleber_henrique@hotmail.com"

Professor de História

3 comentários:

Sev lider de matilha disse...

Eu gostaria primeiro de agradecer mais uma vez, a esta equipe maravilhosa que tem o Cuca Livre.
E em segundo fazer um apelo aos educadores deste municipío, que trabalhem seus discipulos, no quisito história local, antes de inicialos á história regional e geral,para que nossa cidade resgate esta maravilha de história que o Cuca Livre tem nos mostrado a cada edição, para que nossos jovens adquiram mais respeito e amor por uma coisa que é só nossa.
Nossa terra.Nossa história. Parabéns, Equipe Cuca Livre.

Anônimo disse...

Querido ex-aluno
Peguei o endereço com manu que vivia com você pra cima e pra baixo nas rodinhas de violão e poesia no pátio da faculdade e nas confusões do DCE.Eu sempre soube de sua inteligência ímpar e espero que você esteja inserido efetivamente no processo educacional daí,se não,essa publicação grandiosa de vocês já é algo que em muito está contribuindo.Li tudo e vou continuar a visitar e divulgar.A equipe é um grand time,parabéns e por favor continuem nesse trabalho que certamente já está fazendo história e das boas.Orgulhoso,Orgulhosíssimo de você!

Anônimo disse...

PROFESSOR
QUE COISA MAIS LINDA ESSE TEXTO COMO TODOS OS OUTROS SEUS,MAS PARECE UMA COISA,É COMO SE VIVESSE EM VOCÊ DOIS ESCRITORES,UM DE BIOGRAFIAS E UM DE MOVIMENTO SOCIAL.ESSES DE BIOGRAFIAS SÃO LINDOS DEMAIS,DESDE AS INTRODUÇÕES É COMO SE NOS COLOCASSE JÁ NUM CLIMA DE VIAGEM GOSTOSA.TÔ LEVANDO TEXTOS PRA SALA DE AULA TB.VOU MOSTRAR A MEUS ALUNOS AS DIFERENÇAS DOS TEXTOS DE VOCÊS,NO TOCANTE À FORMA DE ESCREVER.GOSTEI DEMAIS,É UMA PENA NÃO PODER LEVAR SEMPRE POR CAUSA DOS CUSTOS COM XEROX.EU CONHECI O SEU AVÔ,ERA MUITO AMIGO DOS MEUS AVÓS.PARABÉNS À TODOS!