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sábado, 28 de julho de 2007

Eu no Tempo

Resistência ao Silêncio


Eu no tempo! É uma coluna onde revivemos letras de canções e poemas de grandes escritores brasileiros, resumindo, é a coluna de musica e poesia. Na 1ª edição do jornal falamos e refletimos em letras dos grandes compositores como Renato, Cazuza e Frejat. Nessa 2ª edição convido você leitor a fazer uma viagem na História, relembrando canções que marcaram uma época.

Pra começarmos essa viagem vamos até “A Era Vargas” período que Getúlio Vargas governou o Brasil entre 1930 a 1945 e 1951 a 1954. Getúlio Vargas fez um governo provisório de 4 anos (1930-1934) com a constituição do país aprovada onde na mesma continha um artigo que servia de barganha e definia que o primeiro presidente depois da nova constituição, deveria ser eleito pelo Congresso Nacional. que estava em suas mãos. Após eleito em 1935 acontece a Intentona Comunista (tentativa do PCB fazer a revolução socialista no Brasil), o que vai servir de desculpa para Getúlio decretar o Golpe de Estado que ficou conhecido como Estado Novo. A partir de então, o Brasil passa a viver sob um forte centralismo e autoritarismo que se caracterizará por uma forte censura nos meios de comunicação, direcionada pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Esse período de centralismo nas comunicações onde só eram feitas apologias à figura de Vargas foi o elemento essencial para lhe dar uma aura de mito que perdura até hoje. Depois de uma trajetória política de 19 anos no poder, Vargas se suicida adiando por 10 anos o Golpe que os Militares já articulavam. Em meados desses 10 anos o Brasil vivia ainda sob a sombra política do “pai dos pobres”, mas foi nesse período que o país vivenciou um grande avanço democrático e intelectual.

O país vivenciava as inovações e interpretações do cinema novo de Gláuber Rocha, em que denunciava e abalava o país mostrando a todos sem cautela as questões sociais que o Nordeste passava. Daí por diante cada vez mais o Brasil crescia democraticamente. O Nordeste sendo cada vez mais desvalorizado e esquecido, levava artistas como Luiz Gonzaga a cantar em seus versos os problemas sociais que tanto penalizava o povo nordestino, as lutas de Francisco Julião nas Ligas Camponesas e os Movimentos Sindicais e Estudantis. O Brasil estava completamente efervescente com movimentos artísticos e sociais que não agradavam em nada a elite e os Militares brasileiros os quais em meio a Guerra Fria temiam que o Brasil tendesse ao bloco socialista e essa elite viesse perder seus privilégios, fazendo com que os Militares em 1 de abril de 1964 tomassem o poder através de um golpe.

Então, durante o governo de Arthur da Costa e Silva o país, conheceu o mais cruel de seus Atos Institucionais: O Ato Institucional nº 05 ou simplesmente AI-5 que, entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968. Tal ato foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira, onde decretava no artigo 5º que: A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa simultaneamente em:

I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II – suspensão do direito de votar e ser votado nas eleições sindicais;

III – proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV – Aplicação, quando necessário, das seguintes medidas de segurança:

-liberdade vigiada;
-proibição de freqüentar determinados lugares;
-domicílio determinado.

Após vigorado, o AI-5, o país passou por diversas censuras impostas pelos militares, proibindo qualquer tipo de expressão artística, mas muitos resistiam usando-se de artifícios como mensagens subliminares ou de duplo sentido em suas letras. Artistas vinculados à produção musical como “Chico Buarque de Hollanda”, “Caetano Veloso”, “Geraldo Vandré”, entre outros encontravam através da música forma de denunciar e alertar para os mais atentos, as barbáries impostas, compondo as conhecidas “Canções de Resistência”: “Apesar de Você”, “Pra não dizer que não falei das flores”, “Sonho impossível”, entre outras tantas. Destaco neste texto “Cálice” uma música de Chico que é marcada por uma história bem interessante: Em uma quinta-feira santa Chico em um encontro etílico com amigos refletia sobre a censura no Brasil e lembrando-se de Cristo na passagem bíblica em Marcos 26. 39 onde é retratada uma oração em que Cristo na agonia pede para que o Pai afaste dele o Cálice do sofrimento, pensando nisso Chico compôs a canção:

Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Ese silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a proca já não anda
De muito suada a faca já não corta
Como é difícilo, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontgade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

O intuito maior de Chico era que quando a canção fosse cantada, o refrão: “... pai, afasta de mim esse cálice soasse como cale-se do verbo calar. A canção trás em sua letra além desse duplo sentido, outras inúmeras mensagens que identificam uma época, e seus problemas políticos, econômicos, sociais e culturais. A mensagem dessa música até hoje nos traz reflexões, sobre atitudes que perduram num sistema onde se diz que temos liberdade de expressão,porém essa liberdade é colocada em xeque muitas vezes, quando a mesma não segue a visão de quem domina. Hoje, tenta-se fazer a censura usando o discurso da moral e dos bons costumes burgueses. E pensamos:

“... Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito... Tanta mentira tanta, força bruta...”.

De uma coisa estou certo, enquanto houver atos que subtendam o calar, jamais se chegará ao menos próximo de uma democracia ou de justiça social. Por isso dedico este texto a todos aqueles que verdadeiramente lutaram e resistiram numa época de opressão por um país mais digno e que nunca tiveram seu valor reconhecido como também a todos que hoje não traem seus princípios, nem se servem das ocasiões.

Escrito por: Josias Albino

Cidadão brasileiro e mais um Cuca Livre (rssrsr)

E-mail: josiasbad@hotmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Aproveito a oportunidade para parabenizar a equipe pela publicação. Prossigam na batalha! E sendo a música uma paixão da humanidade, parabenizo Albino pela informação e análise de uma época relevante.