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segunda-feira, 12 de maio de 2008

Umas Palavras

Pe. Tiago (sacerdote e militante da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Data: 14/4/07

Local: Escola Coronel João Francisco

Cuca Livre: Pe Tiago, até onde sabemos a pastoral da terra é um movimento ligado a teologia da libertação que é uma corrente de pensamento da igreja que interpreta o evangelho em sua essência ligado aos excluídos. O que é a pastoral da terra?

Pe. Tiago: A pastoral da terra não é só um movimento, é uma pastoral da igreja católica aqui no Brasil. E uma pastoral a serviço do povo do campo, é uma pastoral que tem como alvo o trabalhador como protagonista, o trabalhador e a trabalhadora do campo, são eles que tomam o sumo e a CPT apóia e na medida do possível ajuda a esse povo do campo, seja canavieiro, posseiro, sem terra a viver no campo, a lutar pela terra, conquistar a terra, permanecer na terra e como a gente diz, ter direito de ter direitos.

Cuca Livre: Há quantos anos o senhor trabalha com a pastoral da terra?

Pe. Tiago: Meu irmão, eu acho que você já nasce com a estrela da CPT (risos). Eu cheguei no Brasil em outubro de 1968, dois meses antes do nefasto ato institucional n. 5 que vocês não conheceram, mas estão vivendo as conseqüências deste nefasto ato da classe dominante desse país que deveria ser extirpada como um câncer do corpo, esse câncer no corpo do pais que é o latifúndio da classe dominante que atrasa o país. Aqui em Pernambuco, na zona rural, então eu falo neste espírito de extirpar esse câncer do latifúndio e do monocultivo da cana das terras de Pernambuco.

Cuca Livre: Como foi para o senhor ter vivido no Brasil, ter vindo como estrangeiro (escocês) e ser ligado à teologia da libertação em plena ditadura militar. O senhor sofreu repressão ou tortura durante esse período?

Pe. Tiago: Meu irmão Kleber (risos), eu falo até rindo que eu, quando estava nos primeiros dez anos que cheguei aqui no Brasil, eu estava na periferia de Brasilândia na região norte da cidade de São Paulo. Depois dessa periferia onde eu trabalhava, por trás eram os macacos da Serra da Cantareira. Eu estava tão na periferia, tão fronteira, que dificilmente se encontrava com esse povo da ditadura. Vou dizer, agora falando sério: amigos e amigos foram presos, alguns foram assassinados pela ditadura. Naquela época, nós tivemos um grande homem à frente do povo de Deus em São Paulo, Paulo Evaristo Arns (cardeal arcebispo). Eu tive muita sorte de conhecer um homem que ainda está vivo, um homem que com a sua posição não ficou lá no seu gabinete, lá no seu palácio diocesano e que por sinal não quis ficar no palácio, morava numa casa simples. Depois conheci outro bispo, quando fui pra Amazonas, Jorge Marcel, outro grande homem lá na floresta amazônica. Também diagnosticando na época com um câncer foi advertido a voltar para sua terra, Canadá, para ter uma passagem final mais tranqüila e ele disse não! Vou voltar para o Brasil, para o meio do meu povo!

Então, gente como Arns, Marcel, ultimamente quando vim para o nordeste do Brasil, Helder Câmara este homem que foi exaltado pela classe dominante, quando ele falou sobre os pobres e todo mundo da classe dominante batia palmas, mas quando ele perguntou: por que eles são pobres? Muitos gritaram: cala a boca comunista! Você é comunista! Eu espero que essa palestra que a gente deu hoje a tarde, essa conversa aqui, que dê lógica para as pessoas verem que não é normal, bananeiras só plantio de banana, saindo até pela boca da gente, você ver bananeiras entrando pela janela das casas, assim como se vê em vivência, a cana de açúcar, entrando nas janelas das casas. Isso não é normal! O modelo de agricultura aqui no Brasil está muito errado! E temos que extirpar esse modelo do latifúndio monocultor. Nada contra a cana, nada contra a banana, nada contra a uva, é contra o modelo do monocultivo do latifúndio que esta errado!

Cuca Livre: Como a Pastoral da Terra trabalha com as bases, tendo em vista que o trabalhador rural está atrelado ao latifúndio e na maioria das vezes essa ligação do camponês com o proprietário, garante ao latifúndio poder político por conta do domínio da máquina eleitoral que se estrutura nesses laços? Como a Pastoral consegue mobilizar o camponês, tendo em vista que existe uma cultura de medo, muito presente no país?

Pe. Tiago: Meu irmão, o oposto do medo é a coragem! Ta certo? Ta errado! O oposto do medo é a fé! Você falou há poucos minutos sobre a teologia da libertação, meus irmãos, eu falo: teologia que não liberta não é teologia!! Não é! Não deixa nenhum pastor padre ou sei lá o quê enganar você. Se Deus é pai, este Jesus de Nazaré foi por isso que ele morreu, gente! Foi por lutar com o povo que ele morreu! Ele não morreu porque vivia desfiando terço, ele não morreu porque rezava missa, ele não morreu porque morava numa casa paroquial ou porque era amigo do prefeito. Jesus morreu porque viveu essa grande verdade: somos todos irmãos! O que mais me anima é esse amor, desse Cristo carpinteiro, é essa fé que me anima! Tem tanta gente boa nesse mundo, eu conheço tanta gente boa que luta pela justiça! O perigo, meus irmãos Kleber e Daniel, é dessa gente boa desanimar, é preciso acreditar até debaixo d’água, até debaixo da terra que o amor verdadeiro jamais se perde. Não faz nem um mês que celebramos a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e para mim, trocando essa ressurreição, trocando em miúdos no nosso dia-a-dia, nestas palavras: Jesus ressuscitou, significam: “o amor verdadeiro jamais se perde”! Continua! Ele vai até o fim dos dias! Então! Esse evangelho ligado ao homem do campo vem mostrar esperança para o trabalhador arrendado, o homem pobre, amputado de seus direitos explorando na terra dos outros. Nós temos que animar esse povo, vivemos um momento crítico no Brasil, mas é para sentirmos a novidade neste momento. Que alegria conversar com vocês, porque a cada momento, estamos passando a tocha para vocês mais jovens continuarem lutando. Aqui nesta Zona da Mata, tantos mártires da luta que nós reverenciamos. Eu poderia citar João Pedro, Teixeira, Inácio, Maria e outros. Esse mártires também entregaram a tocha para gente para com fé seguirmos em frente.

Cuca Livre: Como o senhor encara a ala conservadora da igreja e como o senhor encara o caso Leonardo Boff no seio da igreja católica?

Pe. Tiago: Meu irmão, eu lamento o Leonardo aceitar que o chamem de ex-franciscano. Uma vez franciscano, sempre Francisco! Estou certo ou errado? Ta muito certo! Sobre a igreja conservadora meu irmão, eu pergunto onde está o “Ide pelo mundo e fazer discípulos”. Eu lamento gente, porque tem gente que lê a bíblia e não entende que é pra sermos discípulos e não freqüentadores de igreja. Há uma grande confusão: igreja cheia muita fé, então... eu olho para alguns países que não são cristão e eu percebo o quanto é verdade o que Jesus disse: “os ladrões e as prostitutas vão anteceder vocês no reino”, vão passar em primeiro lugar e muitos vão ficar chupando dedo e dizendo: Senhor! Senhor! Nós falamos a verdade! Sim. Falaram a verdade, mas não é só falar a verdade, mas fazer a verdade, fazer uma sociedade justa. Meus irmãos Kleber e Daniel, não podemos ser só freqüentadores de igreja. um padre me questionou: onde é sua paróquia? Eu disse:- no campo. E sua igreja? Eu disse: - Debaixo do pau, das arvores? E o povo da paróquia? –são os sem-terra. E continuou: o senhor celebra missa? E eu: é... duas ou três vezes por ano. O que?!? Duas ou três vezes por ano?!? Só! Você é padre mesmo? Eu disse: sou sim! Eu perguntei a ele meu irmão, quantas missas Jesus celebrou? Ele coçou a cabeça e disse: uma! E eu disse: pela metade? Ele disse: - Foi. Jesus celebrou duas missas na vida dele, uma na cruz e outra na véspera. Muitos padres ficam nessa de missa, missa, missa e esquecem que o evangelho é boa noticia e a CPT procura fazer isso, ler o evangelho de novo e fazer Leonardo Boff faz, ler a partir da realidade e não a partir de “verdade eternas que nunca mudam”. Companheiro, nada é eterno, tudo muda!

Cuca Livre: Como cada um de nós, enquanto cidadãos, embora não dentro do ambiente rural, podemos ser solidários com a luta pela terra?

Pe. Tiago: Eu vou dizer uma coisa que é grave: quem é do meio urbano, zele bem pela sua comida. Não deixe que empresas como Adrent, Bunge, Dupon e outras envenenar tua vida com suas sementes, pesticidas, inseticidas, herbicidas, etc. gente! Estamos nos envenenando! Temos que estabelecer um contato comercial com esse pequeno agricultor que tem sítio e planta a macaxeira, feijão, maxixe, tomate, etc. E perguntar: - o senhor usa veneno? - não senhor. Então, eu preciso toda semana, tanto inhame, tanto de macaxeira e etc. mande preparar sua cesta e compre. Precisamos desse contato. Você come um abacaxi do campo e um do supermercado. Qual tem o gosto melhor? Eu estive nos Estados Unidos e me avisaram antes que comesse frutas e verduras aqui e é verdade. Quando cheguei lá, as frutas e verduras muito bonitas, mas com o gosto de plástico de tão envenenados. Por amor a você e sua família, procure comprar lá no sítio.

Cuca Livre: Que caminhos são possíveis para desmistificar a imagem negativa que a mídia faz acerca dos movimentos de luta pela terra?

Pe. Tiago: É muito difícil. É preciso parar e pensar. Vou te dar um exemplo. Semana passada me disseram que o povo é muito apático, o povo não quer nada. E que disse que não, que não era nada disso. Eu assisto televisão e vejo aquelas belas propagandas de carros enormes, BMW ou sei lá o quê, e a gente vê aqueles objetos de desejo e muitos saem e compram, então o povo não é apático, aprenderam a lição que eles dão. Uma vez comprados esses objetos de desejo, vai andar aonde? Antigamente tinha hora de rush nas capitais, hora de maior movimento, agora é o dia inteiro. São Paulo hoje, para se chegar a algum lugar tem que ser com 3 horas de antecedência. Só pegando esse exemplo dos automóveis é possível ver como tudo está errado. É preciso criar muito mais transportes públicos, mais metrôs, ônibus, ciclovias etc. não é possível todos dirigirem carro, pois esse sonho já acabou, é impossível comportar tudo. Nós temos que reconhecer o que é mais normal. Trânsito nas cidades como está não é normal, a agricultura monocultora e latifundiária também não é normal. Precisamos comunicar essas coisas na sala de aula, na celebração da fé e etc.

Cuca Livre: O senhor acha que a reforma agrária no Brasil está próxima? Uma reforma agrária que venha emancipar o povo?

Pe. Tiago: reforma agrária companheiro, vem dentro de uma transformação da sociedade. é muito difícil a reforma agrária dentro do sistema capitalista. Só que aqui, volto a dizer, enquanto houver latifúndio não haverá reforma agrária e a comida vai sumindo das mesas. É banana, cana, uva para exportação e o Brasil voltando a ser colônia, e uma colônia está sujeita a exploração.

Cuca Livre: Como seria o modelo ideal de reforma agrária?

Pe. Tiago: Meu irmão, eu estava na Venezuela no fórum social mundial há dois anos atrás e fomos visitar as comunidades e eu fiquei pasmado. Falam mal de Hugo Chaves, principalmente essa mídia a serviço da classe dominante, e quando essa mídia fala mal de uma pessoa é porque está fazendo algo de bom. Lá nas comunidades venezuelanas, tanta terra, tratores, sementes, instrumentos etc. E como funciona? O governo dá a cada um 200 hectares e nesses o camponês tem que produzir comida para o povo venezuelano. Eles enchem com comida, batata, feijão, inhame etc. essa é uma reforma agrária com assistência técnica. Enquanto aqui no Brasil, o governo das 8 hectares de terra e diz se vire. Esse governo que está aqui agora e foi nossa esperança, pois o ladrão rouba seu anel, seu óculos, seu relógio e quem rouba o sonho de um povo? E eu volto a dizer que é preciso ter muita fé para não desanimar e não cair na tentação de dizer que não adianta e que tudo a mesma coisa. Vamos fazer diferente, não pela via política, por que você ver hoje PT e PSDB andando juntos. Você vê o prefeito de Recife com o maior latifúndio urbano e o povo morrendo à mingua nos morros e favelas. E porque esse prefeito “socialista” não desapropria esse latifúndios urbanos? Reforma agrária quem vai fazer não são eles, somos nós. Nós somos esse povo da esperança, temos essa fé!

Bate Bola

Cuca Livre: O mundo?

Pe. Tiago: Fraterno

Cuca Livre: As pessoas?

Pe. Tiago: irmãos, irmãs, filhos do mesmo pai.

Cuca Livre: uma tristeza?

Pe. Tiago: A falta de consciência.

Cuca Livre: Uma Alegria?

Pe. Tiago: Eu tenho muitas. Eu acho uma alegria privilegiada andar com esse povo.

Cuca Livre: Uma possibilidade

Pe. Tiago: Eu só posso dizer para Deus que nada é impossível, eu sou filho dele e tu também! Uma palavra: essa palavra tão usada amor

Cuca Livre: Uma Palavra?

Pe. Tiago: essa palavra tão usada amor

Cuca Livre: Uma Frase?

Pe. Tiago: não mexe com o gato se não estiver com luva (risos)

Cuca Livre: Um Gesto?

Pe. Tiago: Mesa farta, prato cheio.

Cuca Livre: Um sonho?

Pe. Tiago: Viver no dia-a-dia e não ser dominado pela rotina monótona, transformar com criatividade essa rotina. Sempre ter a possibilidade de ver com novos olhos, ouvir com novos ouvidos e falar com nova voz, sentir com novos sentidos a realidade e transformar a realidade.

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