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segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A Luta de Cada Um!


"tão valente quanto honesta senhora".

Aristides Milton

"Maria de Jesus é iletrada, mas viva. Tem inteligência clara e percepção aguda. Penso que, se a educassem, ela se tornaria uma personalidade notável. Nada se observa de masculino nos seus modos, antes os possui gentis e amáveis." (Journal of a voyage to Brazil)

Maria Graham

Fragilidade, só na tua cabeça.

Ao realizar um resgate sobre a presença das mulheres na história, com o trabalho biográfico percebe-se que a figura do feminino “é discutida por meio de um sujeito que não é o que a representa, mas sim outro sujeito: o sujeito masculino. Que se apresenta sempre como o líder, o inteligente, forte, responsável pelas tarefas mais importantes, o centro.

Na mitologia grega encontramos uma presença muito forte da figura feminina através das deusas Ártemis, Atena, Afrodite, Deméter, Hera, Perséfone, Pandora e Gaia. Mesmo que a inteligência e o pensamento sejam representados pela deusa Minerva (versão latina da deusa Atena), é importante frisar, que esta nasce não do corpo de sua mãe, mas da cabeça de seu pai, Zeus. Este caso demonstra, desde o princípio, a desvalorização da mulher.

Embora a mulher tenha sido desprezada na história, o tema “mulher” não pode ser deixado de ser discutido. Fantasmas de homens extremamente preconceituosos ainda assombram a história da mulher em nosso país. É preciso exorcizar a nossa história, retirar esses espécimes e incrementar a essência de Maria Quitéria em cada um dos brasileiros.

Maria Quitéria nasceu no sítio do Licurizeiro, uma pequena propriedade no Arraial de São José das Itapororocas, nas proximidades de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, atual município de Feira de Santana no estado da Bahia. A data mais aceita pelos pesquisadores para o seu nascimento é a de 1792. Foi a primeira filha do Sr. Gonçalo Alves de Almeida e da Srª. Quitéria Maria de Jesus.

Em 1803, tendo cerca de dez ou onze anos de idade, perdeu a mãe, assumindo a responsabilidade dos afazeres domésticos e da criação de seus irmãos. Mesmo com o chamado a responsabilidade muito cedo Quitéria teve uma infância mais ou menos feliz, marcada pelas correrias, caçadas de bodoque aos pássaros, cavalgadas em animais em pêlo.

O Sr. Gonçalo, o pai de Quitéria cinco meses após enviuvar, casou-se novamente com Eugênia Maria dos Santos, que não lhe dá filhos e veio a falecer pouco tempo depois. Foi então que a família mudou-se para a fazenda Serra da Agulha.

Na nova residência, o lavrador Gonçalo Alves prospera; ele não era tão rude e desmantelado. Com terras mais produtivas cultiva algodão e cria gado. Mas a vida ainda continuava isolada, a rotina só era quebrada quando passava algum tropeiro que sempre trazia uma notícia, ou quando resolviam ir a missa, a feira e passear por lugares circunvizinhos.

O Sr. Gonçalo casou-se pela terceira vez, com Maria Rosa de Brito, com quem teve mais três filhos. A nova madrasta, nunca concordou com os modos independentes de Maria Quitéria. Eram freqüentes os desentendimentos. Queria colocar um freio à vida independente da menina, que dizia ser endiabrada. Enchia-lhe de trabalhados domésticos.

Nesse período Maria Quitéria já chamava a atenção de muitos admiradores masculinos, no entanto, ela não via muito futuro nos compromissos insinuados. Embora sem uma educação formal, uma vez que à época as escolas eram poucas e restritas aos grandes centros urbanos, Maria Quitéria aprendera a montar, a caçar e a usar armas de fogo, conhecimentos essenciais à época.

Pelos tropeiros chegam as notícias do Levante da Cachoeira. Quitéria encontrava-se noiva quando, entre 1821 e 1822, iniciaram-se na Província da Bahia as agitações contra o domínio de Portugal. Em Janeiro de 1822 transferiram-se para Salvador as tropas portuguesas, sob o comando do General Inácio Madeira de Melo, registrando-se em Fevereiro o martírio de Soror Joana Angélica, no Convento da Lapa, naquela Capital.

Em 25 de junho, a Câmara Municipal da vila de Cachoeira aclamou o Príncipe-regente D. Pedro como "Regente Perpétuo" do Brasil. Por essa razão, em julho, uma canhoneira portuguesa, fundeada na barra do rio Paraguaçu, alvejou Cachoeira, reduto dos independistas baianos. A 6 de setembro, instalou-se na vila o Conselho Interino do Governo da Província, que defendia o movimento pró-independência da Bahia ativamente, enviando emissários a toda a Província em busca de adesões, recursos e voluntários para formação de um "Exército Libertador".

Contra a vontade de seu pai, Maria Quitéria saiu de casa e, com o auxílio do cunhado José Cordeiro de Medeiros e de Teresa Maria sua irmã, cortou os cabelos, vestiu-se como um homem, dirigiu-se à vila de Cachoeira, onde se alistou (sem que ninguém descobrisse sua verdadeira identidade) sob o nome de Medeiros, no Regimento de Artilharia, permanecendo até ser descoberta pelo pai, duas semanas mais tarde como que por acaso.

Defendida pelo Major José Antônio da Silva Castro (avô do poeta Castro Alves, comandante do Batalhão dos Voluntários do Príncipe (popularmente apelidado de "Batalhão dos Periquitos", devido aos punhos e gola de cor verde de seu uniforme), foi incorporada a esta tropa, em virtude de sua facilidade no manejo das armas e de sua reconhecida disciplina militar. Após se revelar como mulher solicitou que fosse acrescentado ao seu uniforme um saiote à escocesa.

A 29 de outubro seguiu com o seu Batalhão para participar da defesa da ilha de Maré e, logo depois, para Conceição, Pituba e Itapoã, integrando a Primeira Divisão de Direita. Em fevereiro de 1823, participou com bravura do combate da Pituba, quando atacou uma trincheira inimiga, onde fez vários prisioneiros portugueses (dois, segundo alguns autores), escoltando-os, sozinha, ao acampamento.

Em 31 de março, no posto de Cadete, recebeu, por ordem do Conselho Interino da Província, uma espada e seus acessórios.

Finalmente, a 2 de julho de 1823, quando o "Exército Libertador" entrou em triunfo na cidade do Salvador, Maria Quitéria foi saudada e homenageada pela população em festa. O governo da Província dera-lhe o direito de portar espada. Na condição de Cadete, envergava uniforme de cor azul, com saiote, além de capacete com penacho e com o seguinte pronunciamento:

"Querendo conceder a D. Maria Quitéria de Jesus o distintivo que assinala os Serviços Militares que com denodo raro, entre as mais do seu sexo, prestara à Causa da Independência deste Império, na porfiosa restauração da Capital da Bahia, hei de permitir-lhe o uso da insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro".

Quitéria agora era uma Mulher feita, legalmente emancipada, sabendo bem o que quer, Maria Quitéria consumia-se de amor pela Pátria prestes a nascer. Assumindo a sua condição feminina, livra-se, por fim, dos constrangimentos da simulação. É, doravante, o soldado Medeiros, nome com que se apresentara à tropa. Os milicianos, a princípio ousados, aprendem a respeitá-la. Por baixo, aquele soldado de voz macia veste saias, mas é homem, na coragem, no trato, no companheirismo. Quitéria torna-se exemplo e, mais que isso, mascote da tropa interiorana de resistência.

Segundo Hélio Pólvora no seu recente livro intitulado “A Guerra dos Foguetões Machos”, lançado em Portugal, mesmo depois de Quitéria ter lutado tão bravamente pelo seu país, conseguido derrotar os portugueses e manifestado sua força e coragem, ainda tinha receio pra voltar a sua parentela.

Foi então que em ocasião de uma cerimônia de sua condecoração que aproveitou a oportunidade para que o imperador intercedesse pelo perdão de seu pai, pois como a mesma disse: -“Fui desobediente”.

Com a carta de recomendação do punho do próprio imperador Quitéria retornou a sua terra. Ao ser avistada pelo pai e por sua madrasta foi imediatamente recriminada, todavia, permitiu-lhes que antes de qualquer falatório lessem a carta que trazia.

Os olhos do pai se encheram de lágrimas e o peito de satisfação ao ver as letras do próprio imperador intercedendo por sua filha Quitéria.

Perdoada pelo pai, Maria Quitéria casou-se com o lavrador Gabriel Pereira de Brito, o antigo namorado, com quem teve uma filha, Luísa Maria da Conceição.

Viúva, mudou-se para Feira de Santana em 1835, onde tentou receber a parte que lhe cabia na herança pelo falecimento do pai no ano anterior. Desistindo do inventário, devido à morosidade da Justiça, mudou-se com a filha para Salvador, nas imediações de onde veio a falecer aos 61 anos de idade, quase cega, no anonimato. Desconhece-se o local de seu túmulo.

A partir da volta de Maria Quitéria à boca do sertão Baiano, a história se estreita, se encurta tanto que fica difícil biografá-la. Pode-se dizer que Maria Quitéria morreu esquecida, aos 61 anos. Não teve o mausoléu como é de praxe aos heróis. Ignora-se onde está o túmulo.

Muitos questionamentos podem surgir na mente do leitor como por que essa camponesa quase analfabeta, tornou-se uma guerreira? Que questões eram essas que a levaram a arriscar sua própria vida? Seria apenas o civismo?

Talvez, as palavras da própria Maria Quitéria ajude o leitor a desvendar esse mistério quando diz:

“(...) uma voz secreta me sopra que também luto por mim. Estou guerreando, sim, para libertar Maria Quitéria de Jesus Medeiros da tirania paterna, dos sofridos afazeres domésticos, da vida insossa. Ah, eu combato, com água no nível dos peitos, pela libertação da Mulher, pela nova Mulher que haverá de surgir (...)”.

O leitor já conseguiu desvendar?

Pensem na mulher Quitéria reprimida de sentir, na sua situação de ser uma mulher normal, padrão, sem apetites, sem certas ânsias, certos movimentos de alma, aquelas perturbações interiores, aquele mal-estar permanente que são atribuídos à adolescência e à entrada, sem definições claras, na vida adulta.

Quando a maioridade chegou, Maria Quitéria está sem realização pessoal digna de seus sonhos que eram sepultados antes de nascer. E ela há de ter compreendido que, somente dela, e não dos outros, há de vir a desejada definição existencial e, em conseqüência, a paz de espírito. Maria Quitéria alcança, assim, a hora crítica de sua vida no instante em que Pedro I é pressionado pelas Cortes portuguesas, que desejam sufocar movimentos libertadores no Brasil, e Cachoeira, a Heróica, antecipa a Independência.

Temos, então, que a libertação do Brasil coincide com a libertação de Maria Quitéria. De um lado, a Pátria jungida que procura arrebentar correntes; de outro, a camponesa aprisionada ao patriarcalismo familiar sertanejo. Uma e outra querendo a liberdade, dispostas a morrer por sua cidadania.

Emancipava-se o Brasil, emancipava-se a Mulher brasileira.

Ofereço esse texto a todas as mulheres que sacrificaram suas vidas para que as presentes mulheres tivessem oportunidade de trabalho, licença maternidade, salário fixo, redução na jornada de trabalho, respeito pelos seus cônjugues, espaço na política, educação, economia, religião e formadoras de um Brasil menos opressor.

Escrito por: Daniel Ferreira

Professor de História e Especialista em História do Nordeste

Prof_daniel.al@hotmail.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou estudante de História do 5º período e já estudei Brasil Império,fiquei impressionado qnd descobri essa publicação de vocês.As biografias tanto locais como nacionais são perfeitas tanto em escolha como em narrativa.Parabéns a todos e ao escritor da vida de Maria Quitéria,personagem quase desconhecida,grande heroina do país esquecida ou melhor,fazem questão de não lembrá-las,é perigoso!Igualmente às outras heroínas que vcs(grandes guerreiros)fazem questão de não apagá-las.

Anônimo disse...

Daniel Ferreira
gosto muito de sua maneira de expor idéias,é original.Poxa,como era bom se nós evoluíssemos ao ponto de convivermos com as diferenças,assim como vcs desse pequeno grupo dessa terra que adoro.A gente sente que vcs não tão nem aí pra mediocridade,vivem a vida de vcs e puta que pariu.Tão na frente e ainda olham pra trás na tentativa de salvar quem não chegou.Muito bom gente!Muito boas gente !