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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Os Filhos Deste Solo

Tentar escrever sobre a vida de alguém é algo que bifurca em dois caminhos: a dificuldade de fazê-lo e ao mesmo tempo o prazer que isso traz quando tivemos a oportunidade de conhecer essas pessoas sobre as quais escrevemos e que nos deixaram ricas lições de vivência.

Ainda lembro que quando eu era menino, seu Caetano como todos o chamava, trazia em si as características de um mito vivo, aquele senhor baixinho, quase centenário, que conservava o hábito de usar paletó, com uma voz forte e cheia de propriedade no que falava. Guardava na memória muito conhecimento e a história de sua terra. Era a alegria da meninada da Rua Coronel Henrique que enchia a calçada alta do sobradinho que ele morava e já era certo todas as noites vê-lo descer as escadas de casa para ir à igreja. Com os bolsos do paletó cheio de nego-bom desafiava a criançada com perguntas de conhecimentos gerais para ganharem os doces. No final era certo todos ganharem, mais ele deixava a lição: Vão ler meninos! Vão ler!


Manoel Caetano – Guardião da Memória Viva de São Vicente Férrer


Manoel Caetano de Oliveira, nasceu em São Vicente Férrer, no Sítio Estreito em 12 de dezembro de 1891, sabia relatar a formação de sua família, que era descendente de portugueses com indígenas. Seu pai José Caetano de Oliveira era neto de uma índia. Numa batalha entre índios defendendo a terra e brancos pela tomada da mesma, no desenrolar do conflito, uma indiazinha perdida e com medo se escondeu no mato e salvou-se de ser morta, posteriormente essa índia casou-se com um português que era seu avô e tiveram 10 filhos, entre eles seu pai José Caetano de Oliveira que casou-se com Elvira Maria da Conceição, sua mãe.

A família muito grande se dispersou para várias áreas do país e nós vicentinos, tivemos a sorte de seu Caetano ficar por aqui, herdou dos portugueses ousadia e dos índios coragem e bravura.

Sua família era de agricultores plantadores de café e tinha uma pequena propriedade no Sítio Estreito, não valorizavam a cultura letrada, apenas o cuidado com a terra. Manoel Caetano tinha muita vontade de aprender a ler, mas seu pai não achava necessário. Cuidar do café bastava. Quando bem jovem soube através de amigos que havia um professor em Macapá (Macaparana) e tapeou o pai dizendo que ia trabalhar num comércio na rua, começou como balconista no armazém do Coronel Nestor Gomes de Moura, quando terminava os expedientes, muitas vezes foi a pé para Macapá ter aulas. Aprendeu a ler e escrever bem e daí a leitura foi sua grande parceira, lia tudo, revistas, livros, jornais e ouvia rádio para manter-se informado.

Com sua inteligência e perspicácia participava das conversas nas grande rodas de políticos, coronéis da republica velha, comerciantes, proprietários de café e senhores de engenho.

Quando jovem gostava imensamente de carnaval e se esbaldava nas folias de Momo, contava que em certa feita, um jovem estudante de direito, o Dr. Cláudio Cunha veio passar o carnaval em São Vicente e convidado pela rapaziada para cair na farra, se recusou, era um intelectual e esteticamente cair nessas “coisas do populaxo” não ficava bem ao jovem doutor. Depois de muita insistência, decidiu ir a cavalo só ver as festas que saía da antiga Fazenda Recreio, a turma preparou um plano que fez com que o cavalo desse uma queda no Doutor no meio do bloco. Depois que caiu literalmente, resolveu cair na dança.

Ainda bem jovem, apaixonou-se por Adélia Pessoa de Almeida, filha única de Rita Maria da Conceição e Gonçalo Francisco de Almeida, grande mestre pedreiro que construiu tanto parte da igreja matriz, quanto a ponte da Rua Coronel Henrique que em forma de arco, na época, ninguém acreditava que durasse, mas está de pé até hoje.

Adélia nasceu na Paraíba e era moça fina que estudou e tornou-se professora. Começaram a namorar (ela e Manoel Caetano) sem a aprovação dos pais da mesma que tinham preconceito porque a família de Caetano era de Analfabetos. Diante da proibição, deram o namoro por acabado, mas Manoel Caetano articulou um plano: começou a namorar uma moça analfabeta e lhe enviava cartas constantemente, a mesma retrucou como iria ler sem saber e ele lhe aconselhou que procurasse Adélia para ler para ela. E assim começou o indo e vindo de cartas, até que dona Rita desconfiou e terminou junto com seu Gonçalo permitindo o casamento, pois Adélia já tinha 19 anos e poderia “encalhar”.

Um ano depois de casados, 1915, foi nomeado sacristão da Matriz, cuidava da igreja como de sua casa, presenciou e trabalhou pela construção da torre em 1930. foi sacristão por 70 anos, era querido pelo povo católico, pois na falta de padres, ele batizava e evangelizava.

Tiveram cinco filhos: Maria José, Maria Margarida, José Bartolomeu, Maria Mercês e Maria Cleonice. Seu maior esforço foi educar os filhos. Seu filho homem estudou no Ginásio Pernambucano (Recife), Maria José e Cleonice se formaram professoras no internato de moças em Timbaúba (Escola Santa Maria). Ele exigia muito desempenho dos filhos nos estudos, pontuava: “a média do colégio é 6, mais a minha média é 7 e se não passar no fim do ano volta para casa pra tirar café” .

Seu Caetano era apaixonado por política, fã incondicional de Getúlio Vargas, era filiado ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Fez questão de conhecer Getúlio quando veio a Recife, e de fato foi e conversou com o Presidente. Firme em sua posição política, décadas depois como membro do PSD (Partido Social Democrático), também um partido getulista, travou lutas tremendas em campo local, pois era adversário do político Sr. Sandoval Maranhão do Egito (Prefeito muitas vezes de São Vicente que era membro da UDN(União Democrática Nacional)). Nunca se beneficiou da política para ganhar favores pessoais. Lutou ativamente pela Emancipação do Município em 1953, conversou com Paulo Guerra que era Deputado Estadual e que quase o tirava a esperança, quando disse que era preciso 1000 (mil) assinaturas para emancipar a cidade, e o pediu que arrumasse ao menos 500 (quinhentas). Voltando a São Vicente, andou de casa em casa e até pelas zonas rurais e conseguiu as Mil assinaturas e assim a vila Manoel Borba voltou a ser São Vicente Férrer independente politicamente de Macaparana.

Trabalhou na extinta Cooperativa dos Agricultores de São Vicente já bem idoso. Aos quase 71 anos de um casamento feliz em 09 de janeiro de 1986, perdeu sua companheira Adélia.

Dono de uma inteligência e memória excepcional teve vários ofícios e era fonte viva da história da cidade, discutia qualquer tema. Era super cogitado por estudantes e universitários que vinham entrevistá-lo. Sem titubear era uma correnteza branda de informações. Portava um amor fora do comum pela cidade. O passar de seus últimos anos foi cumprir com as exigências do cansaço do corpo provocados pela ação das lutas, do trabalho e do tempo. Ficou sem andar, mas com uma mente lúcida até seu quase centenário, faltava apenas 26 dias. Uma de suas maiores alegrias com relação a cidade, foi receber a noticia de que a comarca havia voltado a funcionar em São Vicente na gestão do prefeito Honorato Leitão, que fez questão de ir dar essa noticia pessoalmente.

Em 12 de novembro de 1991, deitado em sua cama rodeado pelo carinho e dedicação da família, orações e a meninada da rua, com sua missão cumprida e seu exemplo nos deixou o nosso bom velhinho.

A equipe do Jornal faz um apelo ao poder público que providencie o recolocamento da placa na praça Manoel Caetano de Oliveira locada no Pátio da Capela de Nossa Senhora da Conceição no Bairro da Cohab. A memória desse cidadão vicentino precisa ser conhecida e perpetuada.

Escrito por: Kleber Henrique

Professor de Historia

E-mail: prof_kleber_henrique@hotmail.com

P.S.: Agradeço imensamente a minhas vizinhas e amigas Guida, Cléo e Merça (Filhas de seu Caetano de Oliveira) que me receberam muito bem. Cedendo as informações e acima de tudo pelos momentos agradáveis de conversa.



Obs.: Foto – Casamento de Manoel Caetano de Oliveira e Adélia Pessoa em 1914.


4 comentários:

Anônimo disse...

Que coisa linda esse texto,é de uma sensibilidade fora do comum!
Eu não conheci esse senhor,mas despertou em mim um lamento por isso.quantos manoels,joãos,josés...,temos nesse brasil!que amam sua terra e respeitam até a morte.Tá muito bom,o négócio é esse,relembrar os que poucos lembram e que merecem e não só os políticos safados e doutores que colocam como donos das façanhas e proezas.

Anônimo disse...

Tô bestificado com esse texto,foi uma das coisas mais sensíveis que já li esse ano.O melhor de tudo é que o autor é o mesmo dos textos políticos que são super bem construídos e deixam trasparecer um esquerdismo maduro e consistente,sabe analizar e ao mesmo tempo ,parte pra uma escrita dessa com uma margem tão branda,parece ser outra pessoa.Professor não tenho elogios!Felizes os que lhe circundam.

Anônimo disse...

Que coisa mais linda esse texto,pra mim foi como rever meu padrinho Caetano.Parabéns ao escritor,faz qualquer um chorar com uma beleza dessas.Li todas as edições,essa é a coluna que mais gosto,pois além de contar a história de um vicentino ,faz todo um contexto do ´país,é lindo.Vamos meus cucas,quando saírá o próximo?

Unknown disse...

Parabéns pelo texto,

bom saber de parte da história do meu bisavô (sou neto de Maria José).

Abraço.